quarta-feira, 29 de abril de 2020

Miguel Portas

Nasceu no primeiro dia de maio de 1958. Morreu na véspera do 25 de Abril de 2012. Já passaram oito anos. Conheci-o em 2009. Recordo-o agora na véspera do dia em que se assinala o seu nascimento. Recordação pessoal, só isso.

Um amigo comum, o Henrique Guerreiro, sugeriu ao Miguel que eu fizesse uma proposta de imagem para a campanha do Bloco de Esquerda. Vinham aí eleições legislativas. Miguel Portas era o director de campanha. Discutimos as ideias iniciais num jantar entre amigos, em minha casa. Miguel foi claro: "faz o que quiseres, mas que haja política e não falte alegria". Disse mais coisas que me fazem voltar com frequência à memória daquele jantar. Trabalhei horas seguidas no fim-de-semana que se seguiu. Trabalho unipessoal, em frente ao mac, e depois partilhado no ateliê. Proposta aprovada, e roda viva normal iniciada. O ateliê, na altura na Rua do Carmo, era diariamente visitado pelo Miguel, pelo Francisco Louçã, pelo Daniel Oliveira e pelo Pedro Sales. A Paulete Matos fez as fotografias dos candidatos. Trabalho frenético, como se imagina. Convívio enriquecedor.
Nas últimas horas antes do dia de encerramento da campanha, eu e o Miguel ficámos no ateliê a finalizar pormenores. Ao fim da noite, já cansados, percebemos que o nosso mal era fome. Fomos jantar. Saímos do restaurante às duas da manhã do dia seguinte com apetites de mais conversa e outros entretenimentos líquidos. Conversámos até quase ser dia. Percebi, ali a sós com aquele homem tão disponível para os outros, o entusiasmo que o abraçava quando a política é a vontade de resolver problemas e anunciar esperanças. Quando a cultura tem de ser autêntica e só faz sentido partilhada. Quando a solidariedade não é caridade porque é um dever encontrarmos respostas para o sofrimento. A compaixão é conceito filosófico contra o egoísmo. Percebi, naquele curto período de tempo, o carácter e a sólida cultura de alguém que só imaginava a vida vivendo-a com intensidade, alegria, solidariedade e vontade de dar a volta a isto. Diz que se chama Utopia, a esta vontade. Que seja, mas podemos fazer tanta coisa antes de nos aproximarmos da desilusão.
As eleições aconteceram. Os resultados surpreenderam. Fiquei com a ideia de que a intervenção do Miguel, como director de campanha, foi decisiva para a surpresa. Mas ele não parecia surpreendido. Vitórias e derrotas cimentavam-lhe o carácter. Só é derrotado quem nada faz para fazer valer as suas razões.
Outros envolvimentos lhe moldaram a intensa existência. Escreveu e publicou livros. Fez programas de televisão. Dirigiu publicações impressas. Foi eleito para o parlamento europeu. Sempre com a preocupação política por perto. Tudo é política, pensava. E tinha razão.
Entretanto íamos tendo encontros. Continuávamos a conversa anterior que acabava sempre no clássico: temos que combinar um jantar, para pôr a vida em dia.
Mas a vida parou para ele. Não foram possíveis jantares, nem copos, nem campanhas políticas. A memória do que podíamos ainda conviver deixa-me triste.
Foi muito bom conhecer Miguel Portas. Recordo-o com saudade. Tantas vezes me lembro do que pensaria disto tudo — deputados de extrema-direita no parlamento, Europa a afundar-se… — e adivinho uma possível resposta: isto acontece; temos é que fazer qualquer coisa. É o que fazemos. É o que o Miguel faria.

terça-feira, 28 de abril de 2020

A morte fica-lhes tão bem

Não tarda nada, este energúmeno organiza uma manifestação do seu povo contra o Supremo Tribunal de Justiça. 

E que tal fechar o Senado e o Supremo? Isso é que era. E depois fazer um "churrasquinho" acompanhado dos seus seguidores incondicionais. As famílias dos mortos que os enterrem. Ele não é coveiro de fracos que morrem com uma "gripezinha" ou um "resfriadinho". Ele é coveiro de uma nação inteira.
Fonte Expresso
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segunda-feira, 27 de abril de 2020

História simples e breve

Em 1976 saiu o álbum Com as Minhas Tamanquinhas. É o trabalho mais directamente político de José Afonso. Andam por lá denúncias, ironias, gozos tremendos. 

Quando José Afonso convidou João de Azevedo para conceber graficamente a capa do disco, havia uma grande distância a separá-los. João estava em Itália, Zeca em Setúbal. A encomenda foi feita com a tecnologia possível na época: telefone fixo. Zeca ligou ao João solicitando a tarefa. O briefing foi feito assim: Zeca cantarolou ao telefone a música que dá nome ao álbum e descreveu a ideia geral da coisa. Entendido o pretendido, João envia de Roma para Setúbal, por correio, o resultado final, com três hipóteses para escolha. A ilustração mantinha-se, mas os fundos eram à escolha do freguês Zeca. Um era azul mais ou menos turquesa, outro era num amarelo para o torrado, e a terceira escolha era o rosa que veio a ser escolhido pelo dito freguês. Esta história foi-me contada pelo João.
José Afonso ficou radiante com este trabalho. Disse-mo a mim. Eu também. E foi isto. Mais uma vez: muito obrigado, João.
Imagem: João de Azevedo e José Afonso em Roma. 1976. Ano de edição de Com as Minhas Tamanquinhas. Zeca foi a Roma em acções de solidariedade.
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domingo, 26 de abril de 2020

João de Azevedo | Homenagem

Alinhei estas palavras para a apresentação da última exposição de João de Azevedo em Setúbal. Foi na Festa da Ilustração - Setúbal 2019, ano em que José Afonso completaria noventa anos de idade. Repito aqui o texto, agora em jeito de homenagem

José Afonso escreveu e cantou músicas novas. Mudou o mundo da música portuguesa. Mudou maneiras de fazer música, de transmitir sons, de ouvir. Para a divulgação do seu trabalho gravado convidou competentes designers que foram vestindo os LPs que ía lançando para nosso prazer e sorte. João de Azevedo foi um dos convocados. Concebeu a capa de Com as Minhas Tamanquinhas. Convidámos o artista para alargar a ideia gráfica deste trabalho. Sugerimos que o título se mantivesse e que o trabalho fosse desenvolvido a partir dessa ideia inicial. Respondeu com entusiasmo. Em maio de 2015 fizemos a exposição na galeria da Casa Da Cultura | Setúbal. Agora, quando se assinalam os noventa anos do nascimento do poeta/cantor, renovámos o convite. Novos trabalhos serão acrescentados aos expostos há quatro anos. Depois de Linha Clara, de Cristina Sampaio, a Festa continua com João de Azevedo e as suas “tamanquinhas”. Será com esta exposição que evocaremos o aniversário de José Afonso, nascido em 2 de Agosto de 1929. 
Ícaro povoa estas superfícies de cor e inquietação. Os naufrágios das embarcações a abarrotar de gente que foge da fome e de ameaças várias, são há muito tempo preocupação do artista. João de Azevedo tem o mundo todo no lado de dentro das suas preocupações. Estas pinturas são interpretações de sentimentos, contando sempre com a experiência das histórias vividas. São maneiras de interpretar a realidade. Realidade preenchida de sofrimentos mas também de alegrias. 
Assinalamos a alegria de termos vivido no tempo de José Afonso.
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João de Azevedo

Morreu João de Azevedo. Sabia que estava doente, mas em recuperação. Esta notícia é um choque. 

Conheci João de Azevedo quando o convidei para desenvolver a ideia da capa do álbum de José Afonso Com as Minhas Tamanquinhas. José Afonso convidou-o para tratar da imagem da capa deste seu disco quando o João estava em Itália. Décadas depois convidei-o eu para fazer "mais capas" das "Tamanquinhas" para mostrar na Casa Da Cultura | Setúbal. A exposição foi uma surpresa. O empenho do artista em homenagear o seu amigo Zeca revelou-nos trabalhos de excepção, e transformou-se numa das exposições que me deram mais gosto preparar. Ficámos amigos. Muito amigos. Um dia iremos recordá-lo como ele merece. Não consigo dizer mais nada. Só isto: obrigado, João.
Imagem: visita de Zélia Afonso à galeria da Casa da Cultura, aquando da montagem da exposição.
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E depois do adeus? Adeus?


As comemorações do 25 de Abril foram, afinal, bastante concorridas. Como não houve praias, nem esplanadas, houve quem se apercebesse — se calhar pela primeira vez — que havia uma data a comemorar. Data que transformou a nossa vida em comum. O Presidente, no seu discurso oficial, foi claro, e, como a malta estava em casa, provavelmente até o ouviu.

Também nunca como ontem houve tanta gente a ouvir José Afonso. Muitos ouvem falar de um Zeca Afonso que foi "cantor político" ou "cantor de intervenção", seja lá isto o que for. As novas gerações conhecem esta obra monumental através de divulgações incipientes, muitas com má imagem, feitas por almas bem intencionadas que as colocam no youtube. À venda existem dois álbuns dos primórdios. Nas televisões, no dia comemorativo, passou de novo um espectáculo inenarrável gravado o ano passado, em que os participantes interpretam José Afonso como se de um artista de music hall se tratasse. Não sei se será exigência excessiva minha, mas sinceramente acho que aquilo não são orquestrações que se façam para uma música que foi concebida para ser o seu oposto. Foi a rejeição daquilo que motivou todos os músicos que viram em Zeca a viragem: Sérgio, Fausto, José Mário, Adriano. E perdoem-me mais uma vez o mau-feitio, mas não é de "música de intervenção" que falamos. A designação é redutora. Peço desculpa se ofendi alguém. O que estes senhores fizeram e fazem é música do mundo. Feita com autenticidade e paixão pelos territórios de origem, certo, mas com a percepção de que não estamos sozinhos. A música que estes senhores fazem, fazem-nos ter orgulho na música que se faz por cá, porque é do melhor que se faz por esse mundo fora.
Assim sendo, o que deveria ser feito agora que a poeira assentou? A resposta não pode ser outra: insistir para que esta obra maior da música portuguesa seja reeditada em cd e vinil, e colocada nas plataformas de difusão agora existentes.
Estou a par de alguns desenvolvimentos neste sentido. Sou amigo das pessoas da família que estão a tratar do assunto. E sei que isto não anda nem desanda devido a uma burocracia com solução. A solução depende muito do poder político. Vontade política. Na Assembleia da República, na anterior legislatura, foram apresentadas propostas interessantes. Não chegou, pelos vistos.
Pergunto: podemos dar-nos ao luxo de não ter acessível ao mundo a obra de um dos nossos maiores? A resposta não é difícil.

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sábado, 25 de abril de 2020

Chico Buarque

Vai colocar cravos vermelhos  na sua janela e cantar Grândola, vila morena "alto e bom som" 
Há pessoas tão grandes que têm o mundo todo dentro delas.
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O que faz falta

Pela primeira vez na minha vida assisti às comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República. Pela televisão, é claro. Prefiro a rua. O momento em que se desce a avenida da Liberdade é tempo de felicidade. 

Assisti aos discursos dos nossos representantes. O discurso do Presidente da República foi claro, mas excessivo na busca de justificações. Logo o do Presidente, que deveria deixar a caravana passar, e ignorar latidos distantes. O deputado fascista da Cofina viu ali chamas para a fogueira que insiste em acender. Repugnante. O deputado do CDS/PP chegou-se ao fascista em observações execráveis, e saiu antes de tocar o Hino. Enfim, patriotismos de caserna.
Tenho ainda a dizer que gostei dos discursos de todos os outros deputados. Distanciaram-se quanto baste da insistida polémica e foram objectivos na interpretação da nova realidade.
Enfim, esperemos que a crise passe e para o ano lá estaremos na Avenida da Liberdade a comemorar o fim do fascismo e o exercício da democracia. Ah, é verdade, e a lutar contra o fascista sem vergonha que se senta agora no parlamento, assim como contra os que o apoiam sem hesitações. São rascas, mas perigosos. Como escreveu José Afonso: O que faz falta é avisar a malta.
25 de Abril sempre!

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Liberdade

A presença das formigas
José Afonso
A presença das formigas
Nesta oficina caseira
A regra de três composta
Às tantas da madrugada

Maria que eu tanto prezo
E por modéstia me ama
A longa noite de insónia
Às voltas na mesma cama
Liberdade
Liberdade

Quem disse que era mentira
Quero-te mais do que à morte
Quero-te mais do que à vida

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Fotografar a imaginação

Fotografar não é fácil. Com as tecnologias ao alcance de todos a coisa piorou. Hoje toda a gente acha que faz uma fotografia brilhante. E faz, para guardar no computador e mostrar aos amigos. 

Mas a fotografia que nos faz meditar e olhar para outros horizontes não cabe neste cartão de memória. Fotografar é mostrar outras coisas. É olhar, e, como naquele momento que Cartier-Bresson definiu como decisivo, perceber o que ali se passou. A fotografia conta histórias. Podem ser reportadas da realidade, ou podem ser encenadas, mas é sempre a arte que regista aquele momento irrepetivel.
Pratico com a fotografia uma relação de grande amor. Às vezes imagino-me uma daquelas personagens de Pirandello que acordam com outra personalidade e actividade em outro lugar qualquer. Gostava de acordar arquitecto em outro sítio e fotografar a arquitectura que muda vidas e comportamentos. Enfim, pancadas.
Profissionalmente, como designer ou art director, já tive a sorte de trabalhar com grandes fotógrafos. Convoco dois deles, os mais próximos, depois de incontáveis trabalhos — exposições, folhetos, cartazes, livros. Dois fotógrafos muito diferentes na procura do alvo, mas ambos rigorosos na exigência: Maurício Abreu e João Francisco Vilhena. O João Francisco já esteve na galeria da Casa Da Cultura | Setúbal, com uma exposição de retratos, em ambiente de grande proximidade com os fotografados. O Maurício vai expôr em breve. Apesar de a fotografia se poder perceber online, uma exposição de originais desenhada com o fotógrafo é sempre outra coisa. Outros fotógrafos vão aparecer por cá. Vamos estar atentos aos roubos de almas.
Estas fotografias são deles. A primeira do Maurício, recolhida em terras que o encantam, e a segunda é do João Francisco, no seu convívio com Saramago em Lanzarote. Também aqui coloco alguns livros que fizemos juntos. Há mais, mas estes estão-me mais próximos. Muito próximos. Fazem parte de mim.
Obrigado, Maurício e João. Temos que combinar sair, quando sairmos disto.

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Imbecis no topo do mundo


Bolsonaro, confrontado pelos jornalistas com o número de mortes no Brasil, responde sem hesitações que não é coveiro. Explicado.

Trump, o iluminado salvador do mundo e de todos os seus males, sugere a injecção de desinfectante e a exposição ao sol como maneira de resolver o caos. Médicos e cientistas ficam incrédulos perante tanta ignorância e falta de vergonha em exibi-la. Mas os eleitores continuam estupefactos perante tanta sabedoria. É a cultura dos imbecis a dominar o mundo.
Fonte Expresso
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Corrupção política e metáforas literárias

Não sei se a metáfora dos ratos que abandonam o navio serve para definir este rato de esgoto. 

O musaranho que lá fica, apesar de ser humanamente inconsciente e mentalmente atrasado, quer ser ditador. Candidatou-se elogiando a ditadura. Quem votou nele sabia disso, apesar de não saber o que é uma ditadura. Este espécime asqueroso serviu para lançar e entronar o atrasado mental. Os eleitores foram enganados pela sua própria ignorância. Outra possibilidade de metáfora: voltou-se o feitiço contra o feiticeiro.
Força Brasil. É correr com estes analfabetos ruins.
Fonte The intercept brasil
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quinta-feira, 23 de abril de 2020

Livros, livros e mais livros

Hoje comemora-se o livro. O livro como objecto de desejo, companhia e vontade de saber coisas. 
Pela parte que me toca o desejo de possuir um livro é revelado pelo chamamento da capa. Faço capas para livros há muitos anos. Não me lembro de ter feito capas para maus livros. E espero que os autores não tenham ficado desagradados com o meu trabalho. Confesso que já me vi tentado a comprar um livro seduzido pela capa. Também me acontece nos discos de música — A ECM é irresistível. Este estado mental dissipa-se com a entrada em cena da spotify, mas eu mantenho a nostalgia, e às vezes ainda tenho recaídas. Confesso: sou consumidor, ainda frequento as estantes. Voltemos aos livros. Também consumo, e não encontrei alternativa nos suportes ditos muito inteligentes ligados por fios ou por wireless. Mantenho a ligação profissional: concepção de layout, capa, edição e divulgação. A minha vida nesta vida começou com o convite de António Mega Ferreira para vestir livros do Circulo de Leitores. Depois a moda estendeu-se a outras editoras. E a vida continua.
Neste dia mundial do livro é da gente do livro que me lembro. Escritores, editores, revisores, designers, agentes literários, impressores, promotores, livreiros, leitores. Tenho muitos amigos em todas estas actividades. Bons amigos. Os melhores. E tenho saudades do convívio directo com a malta da Snob, da abysmo, da Culsete — editores e livreiros que insistem na independência e na qualidade e surpresa da inovação — e da Casa Da Cultura | Setúbal, e de todos os leitores e animadores culturais que me animam os dias.
Resolvi colocar aqui na montra algumas capas que fiz para livros que gostei muito de ler. Reli agora passagens. Os dois primeiros exemplares aqui retratados esclareceram-me dúvidas neste tempo de bem-estar duvidoso. Os outros reli para esclarecer recordações. Adorei reviver momentos que me fizeram, em outro tempo, avivar sentimentos e atitudes. E não é para isto que vamos às livrarias e temos bibliotecas pessoais?
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terça-feira, 21 de abril de 2020

Brincar com coisas sérias

Isto acaba por ter a sua graça. O director do Observador também já escreveu ao governo a pedir uma esmolinha. Agora é este recalcitrante empreendedor neoliberal da Cofina que vem reivindicar apoio de todos nós.

Faz sentido. Eles que passam a vida a denunciar apoios a escritores e artistas inúteis que só escrevem e representam coisas que o povo não percebe. Assim sim. o Estado só deve apoiar o que dá lucro. Nada de pedantices para satisfação de meia dúzia de intelectuais. A comunicação deve ser feita como o povo gosta. Mesmo que para isso se tenha que polvilhar a notícia ou a investigação de generosas fantasias. O povo gosta tanto de ver os intelectuais em sofrimento. A Arte e a razoabilidade que se lixem. Viva a estupidez. Viva o lixo televisivo.
Fonte Esquerda net
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Notícias do confinamento

Cavaco não vai? Que pena! 

A vontade já não era muita. O confinamento é desculpa. Mas é melhor assim. Faz lá uma falta...
Fonte Expresso
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domingo, 19 de abril de 2020

Celebrar a coragem

O 25 de Abril comemora-se sempre. Foi a partir desta data que nos foi permitido viver em liberdade. Logo, esta comemoração faz-se todos os dias, quando um homem quiser. 

Mas não é como o Natal. O Natal não se celebra no parlamento. Assim como a Páscoa, ao contrário do que pensa o deputado do CDS/PP João Almeida, que se viu muito incomodado por a Páscoa não ter sido comemorada e o 25 de Abril sim. Quem lhe terá posto na cabeça que as coisas funcionam assim? E logo a ele, que é deputado. Um tonto ridículo, mas deputado. O seu líder veio igualmente manifestar-se contra festejos no parlamento. E, claro, o deputado fascista da Cofina também: o alarve não perde uma oportunidade para desrespeitar o sistema, como ele diz. Enfim, tenta baralhar-se tudo, como de costume. Confunde-se confinamento da população com ritualização parlamentar. Os deputados não estão a trabalhar? Com regras, facto, mas vão lá e é assim que tem de ser. O sistema democrático não se suspende. Nunca. Os eleitos podem perfeitamente representar-nos no parlamento neste ritual de celebração da democracia. Democracia que permitiu aos Almeidas, Chicões e Venturas da triste vida manifestarem-se contra tudo o que faz lembrar Abril.
Dito isto: acontece que nunca assisti a comemorações institucionais pela televisão, e nunca fui à Assembleia da República celebrar coisa nenhuma. Comemoro o 25 de Abril todos os dias — praticando a liberdade que me foi conferida a partir dessa data — e, no dia propriamente dito, na rua. Gosto de estar com a minha gente contra essa gentinha que prefere sempre celebrações de fantasias. Na casa onde se exerce a democracia a um nível institucional, a coerência de se manter viva uma data que permitiu esta existência é saudável para o sistema.
O meu 25 de Abril este ano vai ser em casa, mas não vou estar sozinho. Vamos estar uns com os outros. Vamos recordar e celebrar um dia que nos mudou a vida. Para melhor. Para uma vida decente vivida sem refúgios perante a ameaça fascista. A frase de José Afonso que apliquei neste cartaz define a acção dos que lutaram — alguns morreram — pela defesa da liberdade. Bocage também defendeu a "Liberdade querida e suspirada que o despotismo acérrimo condena". Estou com Zeca e Bocage. Prefiro os melhores.

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sábado, 18 de abril de 2020

Receituário

Mais uma apreciação de PARÍCUTIN, de Gonçalo Duarte. Desta vez na edição deste sábado do Expresso, e pelo teclado de Sara Figueiredo Costa. O texto está reproduzido aqui de carreirinha:

Parícutin é nome de vila mexicana e é com a erupção inesperada de um vulcão na sua região agrícola que abre o livro de estreia de Gonçalo Duarte, depois de várias histórias curtas publicadas em volumes coletivos. Essa sequência inicial de oito pranchas coloca em cena Dionísio Pulido, agricultor surpreendido nos milheirais por um forte cheio a enxofre, depois pelo surgimento de fumo, em seguida pela constatação de que há um vulcão a erguer-se das entranhas da terra. A história é verídica, mas não é o registo de factos que ocupa a narrativa deste livro. Desaparece Pulido e entra em cena uma outra figura, aparentemente dominada por um eco de si mesma e entretanto ocupada com a construção de uma casa. A relação não é unívoca e esta mudança de cenário e personagens começa por parecer um corte profundo na solidez da narrativa, até se perceber que a linha que atravessa este livro não é a da sequência de acontecimentos, mas antes a desregrada sucessão de pensamentos livres que marca parte considerável da nossa atividade cerebral. Gonçalo Duarte cria uma acutilante corrente de consciência visual e narrativa que coloca no movimento de deambulação do pensamento o eixo dos acontecimentos, por vezes aproximando-se de um registo onírico, outras vezes de um delicado delírio em vigília com visitas abruptas ao inconsciente. Há outras personagens em cena, mas como Dionísio Pulido, não é tanto no cenário de uma história que a sua presença se regista, e sim no inferno pessoal que se vai desdobrando no pensamento cuja atividade se regista. Os diferentes estilos visuais, a alternância entre diálogo e solilóquio, os contrastes na composição das pranchas e na relação entre texto e imagem acentuam esse tom de divagação, mas a polifonia não deixa perder o fio que se estende desde os fumos do vulcão mexicano até às erupções emocionais de cada dia. Como uma descida aos infernos, sem outra viagem que não a das sinapses. / SARA FIGUEIREDO COSTA
PARÍCUTIN
Gonçalo Duarte
Chili Com Carne, 2020, 80 págs., €10
Banda desenhada

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Filipe Duarte | Homenagem

Geringonças há muitas, seus palermas

A pandemia ditou novos patamares de convivência política. Presidência e Governo falam a uma só voz. 

No parlamento, a distância entre esquerda e direita ficou mais reduzida no sentido de se resolver esta crise medonha; exceptuando a insistência troglodita do deputado fascista da Cofina. Ontem, o energúmeno esbracejava um toque de violino enquanto o deputado Pedro Delgado Alves falava. Gestos aplicáveis à discussão dos futebóis a que o alarve se habituou. Mas foi bem arrumado no seu lugar pelo deputado Delgado. Enfim, as entidades políticas e os seus representantes vão-se ajeitando conforme as circunstâncias. A política é isto mesmo. E é saudável que assim seja. Chamaram um dia a este tipo de acordos "geringonça". Em tom depreciativo, é claro. Acontece que passamos a nossa vida de todos os dias neste bricolage. Funcionar na política é bom. A perfeição não existe. E quem acha que sim, que existe, é quem quer o leme para correções totalitárias. Os intolerantes é que aplicam a intolerância.
Que venham as geringonças, desde que não sejam mal engerocadas.

Fonte DN
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quinta-feira, 16 de abril de 2020

quarta-feira, 15 de abril de 2020

RUBEM FONSECA | HOMENAGEM.
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O HOMEM SEM QUALIDADES | O mundo acordou incrédulo e preocupado aquando da eleição deste energúmeno como presidente dos Estados Unidos da América. O mundo não queria acreditar que um louco varrido egocêntrico podia chegar a presidente dos Estados Unidos da América. A Casa Branca parece ter virado manicómio. O mundo habitou-se aos dislates e disparates do cretino. Agora, o cretino vai retirar o apoio proporcional que o país que gere — como se de uma empresa se tratasse, e de que é um mau patrão — atribui à Organização Mundial de Saúde. Em tempo de pouca saúde para a população mundial, o presidente dos Estados Unidos da América só pensa em fazer política rasca junto do seu eleitorado. Tenta a todo o custo, e como se o ridículo não existisse, culpar a Organização Mundial de Saúde de todas as culpas que ele próprio carrega. O homem habituou-se, nas suas empresas, a tratar mal toda a gente. Adorava despedir e humilhar. Agora, que chegou onde chegou, trata mal a humanidade inteira. Os meios diplomáticos internacionais consideram esta decisão um crime contra a humanidade. Então, se assim é, os oficiais de diligências do Tribunal de Haia que rumem à Casa Branca. Ou é preciso chamar os enfermeiros?
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DO DELÍRIO | Bolsonaro apela à normalidade perante a anormalidade. Apoiantes seus manifestam-se contra quem sugere a sensatez. Familiares de doentes mortos com COVID 19 atacam médicos, culpando-os de incompetência. O presidente tem sempre razão. Ele está com Deus e os profissionais de saúde ainda não perceberam. Cada morto é uma vítima da incredulidade da ciência.
Mais acima, em outro território mal governado, Trump acusa de mentir quem o confronta com as suas mentiras. Isto parece andar tudo ao contrário. Esta pandemia apanhou mentecaptos a dirigir populações imensas. Gente que os segue como se de deuses se tratassem. Líderes iletrados e egocêntricos garantem o céu a populações que os ouvem sem interrogações, arriscando a própria vida. O vírus da estupidez alastra. A confusão impera. O mundo é um local perigoso. Muito perigoso.

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terça-feira, 14 de abril de 2020

CRIMINOSOS DOMÉSTICOS | Parece que acontece todos os dias a toda a hora. No ano passado foi o que foi. Este ano, com este convívio forçado, as coisas só podem estar a piorar. O confinamento permite que o outro esteja ali à mão de semear. Põe-se a jeito. Passa a ser um objecto da casa: ora de desejo, ora indesejado. As leis existentes já permitem o castigo destes criminosos domésticos. Mas o mal vem muito lá de trás. São muitos anos de cultura discriminatória: pópós e pistolas para os meninos; tachinhos e vestidinhos para as meninas. Cor de rosa para as meninas; azul para os meninos, e assim sucessivamente. Crescem e levam os pópós para a cozinha, cilindrando tudo o que lhes aparece pela frente, e rasgam os vestidinhos que já não podem nem ver. Forram-se de azul que é para serem mais homens. São homens de barba e pila rijas. Os maiores. Aqui quem manda sou eu. Quem não obedece leva. A pequena história do confinamento vai-nos trazer surpresas. Ou talvez não. A selvajaria é diária. Consequente. Crime a mais, crime a menos? Hediondo, sempre.
Fonte Expresso
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segunda-feira, 13 de abril de 2020

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO | O nosso futuro foi adiado. Indeterminadamente. As férias de verão já foram. O natal em família poderá não ser como as famílias querem. Enquanto não houver vacina não há refrescos ao ar livre, nem convívios à lareira. Entretanto temos que suportar as medidas que nos protegem tolhendo os movimentos. E esse é também um outro problema. Já há revoltas. Os "arautos da liberdade e da justiça" já andam numa roda viva. Os comunicadores da Cofina mentem e não desmentem. Têm agora um deputado que lhes dá a maior segurança. Um fascista repugnante que não se importa de fazer figuras tristes. Autarcas em busca de protagonismo parolo saltam para os écrans em pose de heróis denunciadores e reivindicativos. As Felgueiras, os Júdices, os perguntadores da RTP e os idiotas inúteis que povoam as redes sociais andam num desalinho. Nas conferências de imprensa pergunta-se se chove sobre o molhado. Ignoram-se respostas e volta-se a perguntar o anteriormente perguntado. É uma festa que os comunicadores de vão-de-escada não dispensam.
Convoquei Shakespeare para o título deste badalar porque defendo que é na literatura que encontramos a melhor maneira de olhar para isto. Temos essa vantagem. O fascista da Cofina e os comentadores manhosos desprezam o conhecimento que os denuncia. Vamos ter de denunciar muita coisa. Esta gente é perigosa e não se preocupa com o nosso futuro. Preferem o passado e um futuro manhoso para eles próprios. Sim, eles não se importam com sofisticações artísticas e literárias. São toscos e malcriados. Só lhes interessa a criação de riqueza financeira. A deles, é claro. Num futuro próximo veremos o que vai mudar. Depende de nós. Não de todos, mas dos que temos saudades do futuro. Vamos lá a ver se tudo isto não passou de um pesadelo.
Fonte Expresso
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domingo, 12 de abril de 2020


DOMINGO | Um conto de Henrique Rui, contado em desenhos pelo André Ruivo. Henrique Ruivo sabia inventar histórias. Na galeria da Casa Da Cultura | Setúbal, estão penduradas algumas. Lá voltaremos, logo que o sinal desta peste passe. Bom domingo.
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sábado, 11 de abril de 2020

POLÍCIA INTERNACIONAL DE DEFESA DO ESTADO | O título é intencionalmente provocatório. Refiro-me ao SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e a comparação com a polícia do regime salazarista não é inocente. Claro que a PIDE torturava e matava mais. Vivíamos em ditadura. "Cá fora" não se sabia o que se passava "lá dentro". Só se perceberam os crimes depois da revolução, em democracia. Os relatos são arrepiantes. 

O SEF é um organismo que "nos protege" dos estrangeiros malfeitores. Aqui começam as semelhanças com a polícia do político criminoso Salazar. O outro é sempre alguém que não está aqui para se portar bem. O estrangeiro é sempre um intruso. É preciso haver a certeza absoluta de que um intruso não vai ser um problema. Ora, se é tratado à partida como intruso o problema é evidente. Parte-se logo do principio de que o meliante vai roubar ou até matar sem dó nem piedade, e, nem que seja com uns sopapos valentes, vamos ter de perceber quem é o potencial criminoso que ali está.  

O recente problema sanitário anulou todas as outras notícias. O assunto de um cidadão ucraniano assassinado nas instalações do SEF por agentes desta polícia passou pelos alinhamentos noticiosos como cão por vinha vindimada. Pelo que sai cá para fora, ficamos a perceber que o homem vinha tentar trabalhar. Só isso. Nunca o senhor imaginou que estava num país onde ainda se mata quem se imagina ser diferente. Deixou familiares em sofrimento na sua terra. O ministro da Administração Interna condenou o crime. A actuação de uma instituição policial de um país põe em causa o próprio Estado. Há vida para lá da pandemia. Todos os outros atropelos à cidadania não podem ser arredados. Os contornos do crime têm de ser apurados e os seus executores julgados. Provavelmente teremos o deputado fascista da Cofina em defesa dos agentes criminosos. A polícia tem de ser assim. Tem de nos proteger a nós contra os "outros". O circo populista instalado na feira do egocentrismo já tem voz no parlamento e aproveita todos os palcos para mentir e baralhar. 

Falo nisto porque acabei de ler o Duelo — Contenda: podemos confiar no SEF? —, no Expresso, entre Mamadou Ba e um dirigente de um sindicato que representa os inspectores do SEF. O sindicalista inicia o seu texto com esta pérola: "Não fosse a gravidade do que se passou no aeroporto de Lisboa — um cidadão ucraniano morreu nas instalações do SEF, tendo a autópsia concluí­do que a causa da morte foram agressões —, e eu responderia que esta pergunta é ofensiva".
É preciso ter uma grande lata. É preciso não ter a mínima noção de como utilizar as palavras. Claro que Mamadou está na coluna do Não. E termina o seu texto assim: "A obsolescência do SEF decorre desta exigência ética de rutura com a visão do migrante como ameaça a vigiar em permanência, como se de um potencial criminoso se tratasse".
Pois, é isso mesmo.
Imagem: agendas SOS Racismo para o ano de 2020. Concebidas e produzidas pela DDLX. Ilustração de João de Azevedo, incluídas na série que desenvolveu e a que deu o título: Refugiados e agressão policial. 
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