domingo, 26 de abril de 2020

E depois do adeus? Adeus?


As comemorações do 25 de Abril foram, afinal, bastante concorridas. Como não houve praias, nem esplanadas, houve quem se apercebesse — se calhar pela primeira vez — que havia uma data a comemorar. Data que transformou a nossa vida em comum. O Presidente, no seu discurso oficial, foi claro, e, como a malta estava em casa, provavelmente até o ouviu.

Também nunca como ontem houve tanta gente a ouvir José Afonso. Muitos ouvem falar de um Zeca Afonso que foi "cantor político" ou "cantor de intervenção", seja lá isto o que for. As novas gerações conhecem esta obra monumental através de divulgações incipientes, muitas com má imagem, feitas por almas bem intencionadas que as colocam no youtube. À venda existem dois álbuns dos primórdios. Nas televisões, no dia comemorativo, passou de novo um espectáculo inenarrável gravado o ano passado, em que os participantes interpretam José Afonso como se de um artista de music hall se tratasse. Não sei se será exigência excessiva minha, mas sinceramente acho que aquilo não são orquestrações que se façam para uma música que foi concebida para ser o seu oposto. Foi a rejeição daquilo que motivou todos os músicos que viram em Zeca a viragem: Sérgio, Fausto, José Mário, Adriano. E perdoem-me mais uma vez o mau-feitio, mas não é de "música de intervenção" que falamos. A designação é redutora. Peço desculpa se ofendi alguém. O que estes senhores fizeram e fazem é música do mundo. Feita com autenticidade e paixão pelos territórios de origem, certo, mas com a percepção de que não estamos sozinhos. A música que estes senhores fazem, fazem-nos ter orgulho na música que se faz por cá, porque é do melhor que se faz por esse mundo fora.
Assim sendo, o que deveria ser feito agora que a poeira assentou? A resposta não pode ser outra: insistir para que esta obra maior da música portuguesa seja reeditada em cd e vinil, e colocada nas plataformas de difusão agora existentes.
Estou a par de alguns desenvolvimentos neste sentido. Sou amigo das pessoas da família que estão a tratar do assunto. E sei que isto não anda nem desanda devido a uma burocracia com solução. A solução depende muito do poder político. Vontade política. Na Assembleia da República, na anterior legislatura, foram apresentadas propostas interessantes. Não chegou, pelos vistos.
Pergunto: podemos dar-nos ao luxo de não ter acessível ao mundo a obra de um dos nossos maiores? A resposta não é difícil.

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