sábado, 11 de abril de 2020

POLÍCIA INTERNACIONAL DE DEFESA DO ESTADO | O título é intencionalmente provocatório. Refiro-me ao SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e a comparação com a polícia do regime salazarista não é inocente. Claro que a PIDE torturava e matava mais. Vivíamos em ditadura. "Cá fora" não se sabia o que se passava "lá dentro". Só se perceberam os crimes depois da revolução, em democracia. Os relatos são arrepiantes. 

O SEF é um organismo que "nos protege" dos estrangeiros malfeitores. Aqui começam as semelhanças com a polícia do político criminoso Salazar. O outro é sempre alguém que não está aqui para se portar bem. O estrangeiro é sempre um intruso. É preciso haver a certeza absoluta de que um intruso não vai ser um problema. Ora, se é tratado à partida como intruso o problema é evidente. Parte-se logo do principio de que o meliante vai roubar ou até matar sem dó nem piedade, e, nem que seja com uns sopapos valentes, vamos ter de perceber quem é o potencial criminoso que ali está.  

O recente problema sanitário anulou todas as outras notícias. O assunto de um cidadão ucraniano assassinado nas instalações do SEF por agentes desta polícia passou pelos alinhamentos noticiosos como cão por vinha vindimada. Pelo que sai cá para fora, ficamos a perceber que o homem vinha tentar trabalhar. Só isso. Nunca o senhor imaginou que estava num país onde ainda se mata quem se imagina ser diferente. Deixou familiares em sofrimento na sua terra. O ministro da Administração Interna condenou o crime. A actuação de uma instituição policial de um país põe em causa o próprio Estado. Há vida para lá da pandemia. Todos os outros atropelos à cidadania não podem ser arredados. Os contornos do crime têm de ser apurados e os seus executores julgados. Provavelmente teremos o deputado fascista da Cofina em defesa dos agentes criminosos. A polícia tem de ser assim. Tem de nos proteger a nós contra os "outros". O circo populista instalado na feira do egocentrismo já tem voz no parlamento e aproveita todos os palcos para mentir e baralhar. 

Falo nisto porque acabei de ler o Duelo — Contenda: podemos confiar no SEF? —, no Expresso, entre Mamadou Ba e um dirigente de um sindicato que representa os inspectores do SEF. O sindicalista inicia o seu texto com esta pérola: "Não fosse a gravidade do que se passou no aeroporto de Lisboa — um cidadão ucraniano morreu nas instalações do SEF, tendo a autópsia concluí­do que a causa da morte foram agressões —, e eu responderia que esta pergunta é ofensiva".
É preciso ter uma grande lata. É preciso não ter a mínima noção de como utilizar as palavras. Claro que Mamadou está na coluna do Não. E termina o seu texto assim: "A obsolescência do SEF decorre desta exigência ética de rutura com a visão do migrante como ameaça a vigiar em permanência, como se de um potencial criminoso se tratasse".
Pois, é isso mesmo.
Imagem: agendas SOS Racismo para o ano de 2020. Concebidas e produzidas pela DDLX. Ilustração de João de Azevedo, incluídas na série que desenvolveu e a que deu o título: Refugiados e agressão policial. 
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