sábado, 31 de dezembro de 2005

Bom 2006


Está a terminar o ano de 2005.
Vem aí um ano inteiro por encetar.
Que seja um dos bons anos das nossas vidas, é o que desejamos a todos os que vão tendo a paciência de por aqui passar.
O melhor para vocês.

Pablo Picasso Imagem

Opiniões e demissões

Vasco Graça Moura defendeu, no DN da passada quarta-feira, a desistência de Soares da sua candidatura à Presidência da República.
Tão definitiva atitude prende-se com "o episódio deselegante e grotesco" no debate com Cavaco.
Graça-Moura acha que Soares nunca deveria ter abordado as conversas que teve, enquanto Presidente de Portugal, com governantes estrangeiros, denunciantes da "falta de conversa" do então primeiro-ministro português.
Na opinião do poeta são declarações que nunca deveriam ser proferidas por um alto representante político.

Sabemos que o exercício da pena de morte é um dos maiores entraves à entrada da Turquia na comunidade europeia.
Recordamos também que motivos menos graves levaram Durão Barroso a ter que substituir um dos seus comissários. A criatura limitou-se a dizer que achava a homossexualidade uma doença, uma aberração ou lá o que foi. E até era um dos grandes amigos do Papa.
Todos nos lembramos das opiniões do arauto da direita sobre estes assuntos. Vasco defendeu mesmo a pena capital como solução para alguns dos males da sociedade.
De que está então à espera para pedir a demissão do seu lugar de deputado europeu?

JTD

sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Pedimos desculpa por esta interrupção

Hoje não há blogue.
Voltaremos amanhã.
Até lá.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

Morris Louis | Fernando Luís Sampaio


No parque da cidade

O parque desce sob o meu olhar
instável desce para o lago
onde florescem latas de cerveja, folhas
e a névoa dos namorados.

À superficie das coisas o pó
aquietado da vida, a poalha dos impropérios
da castiça, o fumo do monte branco
a coroar, à hora da bica, a ave da juventude

que assobia canções combatentes.
Muita coisa começou assim, um punhal
a esmagar os sonhos, uma pedra a torcer
o primeiro amor contra o mundo.

Mais tarde, é sempre mais tarde, a morte
de amigos cuspiu de mim toda a cidade,
as ruelas que iam para o fontelo
escureceram também para sempre.

O silêncio, como o inferno, começa sempre
com os outros.

Fernando Luís Sampaio Texto
Morris Louis Imagem

quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Quem tem dúvidas?

Cavaco já começou a fazer propostas para uma governação mais eficaz.
Uma secretaria de Estado para acompanhar as empresas estrangeiras em Portugal, é a primeira bola a sair do saco.
Que mais contribuições terá na manga para ajudar o governo?
Ou será que vai propor a formação de um novo governo de cariz mais presidencialista?
De facto, com Cavaco tudo poderá mudar.
Não tenhamos dúvidas. Não nos enganaremos.
JTD

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

João Francisco Vilhena | Adília Lopes


Os gostos e os desgostos
levam ao poema
como podem levar
ao precipício
o poema fala do precipício
lá haverá choro
e ranger de dentes
e não haverá Kleenex
nem o Dr. Abílio Loff
o meu querido dentista
o poema fala do precipício
evitado a tempo
o mau poema não mata
(mais vale burro vivo
que sábio morto)

Adília Lopes Texto
João Francisco Vilhena Imagem

segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

Oxalá esteja enganado

Vasco Pulido Valente tem razão quando reprova, na análise ao debate Soares-Cavaco, os brandos costumes dos portugueses.
Eu próprio achei um pouco deslocado o uso do verbo no ataque ao candidato da direita.
Mas estou de acordo com Vasco. Não acho que a confrontação aconteça por deformações de educação. Nunca fiz a apologia do politicamente correcto. Isso seria negar o que aconteceu na sessão "Zeca em Moçambique", em muito frequentado comentário uns "posts" aqui em baixo (dia 5). Considero que qualquer outro candidato a estas eleições tem mais interesse do que Cavaco. Mas o que me preocupa não é a agressividade verbal mas sim a sua eficácia. Cavaco está, parece, a saber gerir os silêncios. Convém-lhe que assim seja. Para ele o silêncio é ouro. Ora o problema é que não sei, sinceramente, se a estratégia de Soares é a melhor. Tenho dúvidas. Oxalá esteja enganado. Se assim for: porrada no Cavaco.
JTD

domingo, 25 de dezembro de 2005

Leonardo Da Vinci | José Afonso



Alegria da criação

Plantei a semente da palavra
Antes da cheia matar o meu gado
Ensinei ao meu filho a lavra e a colheita
num terreno ao lado
a palavra rompeu
Cresceu como a baleia
no silêncio da noite à lua cheia
Vi mudar estações
Soprar a ventania
Brilhar de novo o sol
sobre a baía
Fui um bom engenheiro
Um bom castor
Amei a minha amada
Com amor
De nada me arrependo
Só a vida
me ensinou a cantar
esta cantiga

José Afonso Texto
Leonardo Da Vinci Imagem

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Natal com Anne Sofie Von Otter


É esta a música que oiço em casa durante este tempo de consumo intenso e desbragado.
Anne Sofie Von Otter é das vozes que não dispenso. Ouvi-la, sugere-nos valores mais aconchegantes, sem rendições às regras da economia que empurram o pessoal para a rua e para dentro das "grandes superfícies" (nome fantástico), num desespero quase sofocante.
É, portanto, uma recomendação para este tempo de ficar em casa.
Agora vou até ali abaixo fazer as últimas compras...
Até já.
JTD

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

30 anos - Histórias de teatro


O TAS - Teatro Animação de Setúbal anda há trinta anos a fazer teatro. Missão difícil, já que Carlos César, seu fundador, sempre apostou na descentralização. E todos sabemos o quanto é difícil fundar serviços culturais fora da capital. Setúbal viu assim nascer um grupo de teatro que, entre dificuldades e sucessos, foi pisando as tábuas, experimentando autores com as mais variadas preocupações. De Harold Pinter a Henrique Santana. De Gil Vicente a Mário de Carvalho. Da experimentação mais exigente à representação ao gosto mais popular, tudo esta gente fez para nos trazer um pouco do pó dos palcos. Claro que nem sempre agradando, pelo menos a gregos e troianos em simultâneo. Mas existiu, continua a existir e esperemos que continue por muitos e bons.
Hoje há festa no forum Luisa Todi. Será exibida a peça "Bocage e as Ninfas", encenada por Fernando Gomes (uma pena não ser vista por muito mais gente), será apresentado um livro comemorativo deste aniversário e assistiremos à colocação "online" do site da companhia, onde se poderá confirmar esta existência atribulada de tantos anos.
A festa é a partir das 21.30 horas.
Vai valer a pena dar um salto ao forum Luisa Todi.
Parabéns a todos os actores, técnicos e colaboradores.
JTD

Alex Katz | Eugénio de Andrade



Essa mulher, a doce melancolia
dos seus ombros, canta.
O rumor
da sua voz entra-me pelo sono,
é muito antigo.
Traz o cheiro acidulado
da minha infância chapinhada ao sol.
O corpo leve quase de vidro.

Eugénio de Andrade Texto
Alex Katz Imagem

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Ressaca

Agora a sério: o debate entre os dois candidatos mais acreditados para chegar a Belém não foi nada de especial.
Cavaco utilizou os deslizes de argumentação de Soares para puxar o brilho à sua débil prestação.
Acusou, várias vezes, o debate de só discutir as suas ideias. Soares reagiu como se ele as tivesse de facto em vez de responder com um simples: "não estamos a discutir as suas ideias mas sim a falta delas". Soares raiou a indelicadeza ao ponto de se referir a Cavaco com um displicente "ele". Outra: "o senhor não lê livros, lê dossiers?". Outra ainda "Dizem responsáveis políticos europeus que ele não tem conversa". Todos dizemos coisas destas, e piores, em conversa com amigos. Ali exige-se mais. Tratou o candidato de direita como um verdadeiro mentecapto, o que, sendo o que ele pensa, não é útil à discussão, mais a mais estando perante uma enorme plateia que é o eleitorado. Cavaco soube gerir esta inabilidade até ao fim. Como não tem grandes qualidades ao nível da retórica, usou e abusou do excesso de "conversa" de Soares. Claro que foi bem giro ver Cavaco engolir repetidamente em seco, mas pede-se a alguém com a experiência de Soares maior conhecimento de quem está à sua frente. Poderemos pensar que nesta coisa dos debates, desde que seja para dar na cabeça do Cavaco, tudo bem. E se não tem eficácia no terreno? Aí é que está o busilis. É que aturar o cara-de-pau durante um ror de tempo, a mastigar bolo-rei ou lá o que for, é obra. Lá está, até parece obra do diabo, como diria o Jorge Santos.
JTD

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Foi hoje!

E pronto, isto passou-se. Mário Soares foi o vencedor deste debate. Cavaco foi o eterno manteigueiro de serviço.
Claro que houve estratégia. Cavaco venceu a esse nível. O cinismo que lhe é peculiar pode colher frutos.
Esperemos que não. Que vença a política contra a apologia da contra-política.
A propósito desta conversa registo aqui uma interessante opinião de Jorge Santos, no Dizer bem:

O ‘diabo’ sabe muito…
Não voto Mário Soares (só o farei se por acaso houver segunda volta e estiver frente a frente com Cavaco), mas estou a gostar de todas as suas intervenções no debate que está a passar na RTP.
Defendo que deve haver renovação das pessoas que vão para os cargos, mas não há dúvida de que o “diabo” sabe muito porque é velho.
E, como aprendemos em Angola, ser velho é ser o Homem de respeito.
E Mário Soares merece esse respeito.


Ora eu que até vou votar Mário Soares logo à primeira volta, fico encantado com estas palavras.
Oxalá a gente se encontre na segunda volta. Até lá.
JTD

É hoje!


Claro que a minha opinião sobre este campeonato tresanda a parcialidade.
Também é certo que qualquer dos candidatos de esquerda tem mais interesse num cabelo do que o candidato cara-de-pau da direita no corpinho todo. Louçã, até agora, foi de longe o que meteu mais respeito, colocando o homem que só pensa em finanças no seu lugar - o sítio dos deixa-andar-que-o-meu-pai-é-bombeiro. Confesso, contudo, que estou muito curioso com o "derby" de hoje. Ou muito me engano, ou vai ser um papelinho.
Espero bem que seja.
Até já.
JTD

Fernando Lemos | Sidónio Muralha




Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço.


Sidónio Muralha Texto
Fernando Lemos Imagem

domingo, 18 de dezembro de 2005

Despedidas



Miguel Sousa Tavares despediu-se na passada sexta-feira dos seus leitores no Público. Como habitualmente, forneceu-nos uma excelente crónica, onde passou em revista as opiniões que foi tendo, do país e arredores, durante o seu tempo naquele jornal. A coluna de Miguel foi durante estes anos todos um espelho do que eram quase sempre também as minhas opiniões. Um espelho de altíssima qualidade, de grande expessura, que nos transmitia um agradável conforto nas manhãs de sexta-feira.
Obrigado por tudo, Miguel, e volte sempre.

Outra despedida da semana, foi a de José António Saraiva no último Expresso. A coluna do ainda director do jornal morreu ontem, segundo as suas próprias palavras. Devido à grande importância que constituíram no panorama do jornalismo pátrio, deveria ser proposta para o próximo sábado um missa de sétimo dia.
Sem mais demoras, coloco aqui dois nacos da preciosa prosa que o reverenciado director do referido semanário verteu para a sua "Política à portuguesa": "A coluna registou um êxito imediato, vindo a tornar-se uma das mais lidas, influentes e carismáticas de sempre da imprensa portuguesa". Uau! E a terminar a glosa; "Despeço-me de si leitor, garantindo-lhe que nas mais de mil crónicas aqui publicadas nunca o tentei ludibriar, enganar ou iludir. Fui honesto consigo, começando por ser fiel a mim próprio. Respeitei-o, procurando ser claro, rigoroso, isento, atento, criativo, independente de partidos, personalidades, organizações ou seitas, impermeável a modas - no sentido de lhe dar semanalmente a melhor opinião da imprensa portuguesa". Mais nada. Assim é que é! O homem que um dia disse que ainda estava nos primeiros passos para o Nobel da literatura, teve um acesso de humildade ao considerar-se um simples cronista da imprensa nacional. Que é lá isso, meu rapaz. Reuna as mais de mil crónicas em livros e vai ver que a academia sueca lhe fará justiça. O Nobel é seu. Você merece-o. As suas crónicas são literatura pura e dura.
Apesar da despedida, anunciou que vai continuar noutro local em coluna com outro nome. Uff! Ainda bem que avisa. Este país não pode prescindir do seu melhor numa altura destas. Haja rigor e isenção.
JTD

sábado, 17 de dezembro de 2005

Luis Miguel Cintra


Luis Miguel Cintra é o vencedor do Prémio Pessoa deste ano.
Motivo de contentamento para os apreciadores do teatro de qualidade feito em Portugal.
Parabéns a Cintra.
Parabéns ao Teatro da Cornucópia.
Parabéns ao teatro português.
JTD

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Herberto Helder | Ilda David


Folheie as mãos nas plainas enquanto desusa a gramática da madeira, obscura
memória: a seiva atravessa-a.
Que a mão lhe seja oblíqua.
Aplaina as tábuas baixas e sonolentas - torne-as
ágeis.
Leveza, oh faça-a como a do ar que entra nelas.
Por súbita verdade a oficina se ilude: que,
de inspiração,
o marceneiro transtorne o artesanato do mundo.
Aparelha, aparelha as tábuas cândidas.
A sua vida é cada vez mais lenta.
Como entra o ar na gramática!
Que Deus apareça.


Herberto Helder Texto
Ilda David Imagem

Este poema de Herberto foi-me oferecido dentro de um cartão de boas festas que o Manuel Rosa, da Assírio & Alvim, me enviou.
Um belíssimo poema, diga-se.
Um bom ano de 2006 para ti, Manuel.
JTD

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Solidariedade Imigrante

Numa altura em que até o candidato presidencial da direita (qual centro-esquerda, qual carapuça) fala da necessidade da criação de mais postos de trabalho para imigrantes, é de premente actualidade este debate que hoje se realiza na Videoteca de Lisboa. A marginalização, a violação dos direitos humanos, os focos de violência e a sua possível prevenção são alguns dos aspectos a tratar. A iniciativa pertence à Associação Solidariedade Imigrante, debruçando-se o debate de hoje sobre a situação dos imigrantes nas fronteiras entre Espanha e Marrocos.
Um tema que merece a nossa reflexão e a nossa solidariedade.
JTD

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Pai natal trepador

O Luís Sequeira falou no assunto aqui na vizinhança.
O pai natal que trepa pelas varandas portuguesas também me provoca desconforto. Claro que não tenho nada a ver com a vida dos outros, mas é lamentável ver como alguns dos outros se rendem à piroseira ditada pela necessidade de se comercializar seja o que for.
O Natal, ao contrário do que diz o generoso ditado, não é quando um homem quer, é quando o comerciante o deseja. O Natal começa cada vez mais cedo. Qualquer dia há enfeites natalícios à venda junto com os baldinhos e pazinhas dos petizes veraneantes. Agora há o pai natal trepador, do tipo assaltante simpático. O símbolo maior do comércio popular em curiosa ornamentação urbana. A piroseira mais desajeitada invade as janelas das nossas cidades.
São legiões de criaturas de barrete vermelho em alegre escalada. Os portugueses enfiam barretes sem grandes hesitações. Para a palhaçada somos uns pimpôes. Parecemos parvos. Chiça!
JTD

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

José Gomes Ferreira | Barnett Newman



Cala-te...

Cala-te, voz que duvida
e me adormece
a dizer-me que a vida
nunca vale o sonho que se esquece.

Cala-te, voz que assevera
e insinua
que a primavera
a pintar-se de lua
nos telhados,
só é bela
quando se inventa
de olhos fechados
nas noites de chuva e de tormenta.

Cala-te, sedução
desta voz que me diz
que as flores são imaginação
sem raiz.

Cala-te, voz maldita
que me grita
que o sol, a luz e o vento
são apenas o meu pensamento
enlouquecido….

(E sem a minha sombra
o chão tem lá sentido!)

Mas canta tu, voz desesperada
que me excede.
E ilumina o Nada
Com a minha sede.

José Gomes Ferreira Texto
Barnett Newman Imagem

domingo, 11 de dezembro de 2005

O silêncio como virtude

Estar calado parece reunir um número cada vez maior de entusiastas mentores.
Cavaco está radiante com a fórmula escolhida para os chamados debates entre candidatos à presidência.
Como não tem que estar preocupado com o adversário, responde o que lhe apetece, ou não responde mesmo, se isso lhe der mais jeito.
Lobo Xavier, na quadratura do círculo, na SIC-N, defendeu que a retórica não tem importância nenhuma numa campanha para a Presidência da República.
Raquel Alexandra, editora de política da SIC, considerou prova de inteligência a não resposta de Cavaco a uma pergunta sobre a união entre homossexuais, no encontro que o candidato autómato teve com Louçã, na TVI.
Rui Marques, alto comissário para a imigração, preferiu não comentar o caso das imigrantes fechadas num contentor em condições desumanas.
Tinha a ideia de que para qualquer destas actividades, em democracia, a utilização da expressão falada era fundamental. Afinal estava enganado.
A partir de agora é possível assistir a um debate televisivo em que os comentadores só comentam o que querem.
É normal um entrevistado não responder, inteligentemente, a uma pergunta de um jornalista.
E é absolutamente aceitável que um alto responsável político não responda por algo que diga respeito directamente à sua actividade.
Posso fazer só uma pergunta? Uma só. Respondem se quiserem: E a remuneração que vos pagam?
Recebem-na pelo pouco que dizem ou para ficarem calados?
JTD

Dificuldades

Tenho estado com dificuldades no acesso à internet.
Finalmente tudo voltou à normalidade.
O regresso dar-se-á dentro de momentos.
Até já.
JTD

quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

Comunidade de Luiz Pacheco


Carlos Curto dirigiu a representação de "Comunidade", o mais aplaudido texto de Luiz Pacheco. A peça vai estar este fim-de-semana no Teatro de Bolso, em Setúbal.
A interpretação será assegurada por António Revez.
Aí em baixo está um pequeníssimo excerto do extraordinário trabalho de Pacheco. Ler um texto destes é sempre um prazer.

"Quando a dor no peito me oprime, corre o ombro, o braço esquerdo, surge nas costas, tumifica a carótida e dá-lhe um calor que não gosto; quando a respiração se acelera em busca duma lufada que a renasça, o medo da morte afinal se escancara (medo-mor, tamanha injustiça, torpeza infinita), aperto a mão da Irene, a sua mão débil e branca. Quero acordá-la. E digo : «não me deixes morrer, não deixes...» Penso para comigo, repito para me convencer: «esta pequena mão, âncora de carne em vida, estas amarras suas veias artérias palpitantes, este peso dum corpo e este calor, não me deixarão partir ainda...» E aperto-lhe a mão com força, e acabo às vezes por adormecer assim, quase confiante, agarrado à sua vida. Ah, são as mulheres que nos prendem à terra, a velha terra-mãe, eu sei, eu sei ! São elas que nos salvam do silêncio implacável, do esquecimento definitivo, elas que nos transportam ao futuro, à imortalidade na espécie (nem teremos outra) pelo fruto bendito do seu ventre (eu sei, eu sei...)"

Apareçam no Teatro de Bolso. É hoje, amanhã e sábado, às 22 horas.

Imagem - Capa da primeira edição de "Comunidade":
JTD

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Aos amigos

_

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Herberto Helder Texto
Julião Sarmento Imagem

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Os amigos

O mote deste palavrear é dado pelo comentário de António Augusto no "post" anterior.
Estou, no essencial, de acordo com o que diz este nosso visitante. Contudo, entendo que cada um tem o seu próprio método de fazer abordagens ou estabelecer discussão. Muitas vezes é usado o termo "o meu amigo viu...", só com a finalidade de encetar conversa. Não é esse o estilo que frequento. Quando classifiquei aqueles dois autarcas de amigos, foi com propriedade. O vereador em causa, Aranha Figueiredo, é de facto meu amigo já lá vão mais de vinte anos. Com Carlos de Sousa, nunca tive um relacionamento muito próximo, mas conheço-o também há um ror de anos. No entanto, não partilho notoriamente dos seus pontos de vista quanto à condução da política cultural da cidade. Existe mesmo uma grande distância entre pontos de vista. Por isso me disponho a discuti-los sempre que me for possível.
Tenho amigos em muitas áreas profissionais e em várias frentes políticas. Não penso, como Cavaco Silva, que "Duas pessoas sérias com a mesma informação têm inevitavelmente que concordar". Não têm. Só têm que se entender mesmo na diferença. É para isso que há a discussão de ideias. Não estou de acordo, muitas vezes, com alguns dos meus melhores amigos, o que motiva interessantes conversas.
Somos todos diferentes. É nisso que somos todos iguais.
JTD

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Zeca em Moçambique - o acontecimento

A crónica de Vasco Pulido Valente que motivou o meu anterior "post", e um comentário anónimo ao meu texto "Zeca em Moçambique" aqui no blogue, fez-me reflectir sobre a sessão que assinalou a passagem de José Afonso por aquela terra de África, que decorreu na Biblioteca Municipal de Setúbal, no passado sábado.
Falou-se das dificuldades de comunicação que o regime impunha, ou seja, das faltas de liberdade, das andanças e manigâncias de Zeca para iludir os censores e repressores, da sua influência no panorama cultural de então e as repercussões que teve essa sua influência.
Falaram Mário Barradas e João Afonso dos Santos, tal como estava previsto, e Adrião Rodrigues, que ao tempo da estada de Zeca em Moçambique era presidente do cineclube local.
Falaram também alguns dos presentes, entre os quais eu. Falou-se da música, da cultura e do entretenimento, que para Mário Barradas são duas coisas absolutamente distintas. Compreendo. Barradas ainda deve defender aquela de que a Cultura é para sofrer - algo de sagrado. O entretenimento é outra coisa, para estúpidos ou simplesmente para passar o tempo. Pode portanto ser medíocre. Mas, enfim, foi simpático e eloquente.
Acho que a cultura não é para sofrer. Tenho preocupações de cidadania com o exercício do entretenimento. Como tal, a par de revelar a minha interpretação sobre a importância de José Afonso na Cultura Portuguesa, e por tudo o que foi dito antes, resolvi contribuir para colocar essa influência na actualidade. Como esta iniciativa teve lugar em Setúbal, expressei a minha opinião, acerca da falta de visão estratégica da política cultural do actual executivo camarário (aquilo a que antigamente se chamava: falta de ideias), o que leva a colocar o indescritível Toy como figura de proa da cultura sadina. Estando presentes o presidente da câmara e um vereador, mais vantagens vi nessa abordagem.
A minha intervenção não lhes agradou e não se manifestaram. O privilégio de os ter como amigos permitiu que no final da sessão se desse a inevitável discussão sobre o assunto. Ao que percebi, as palavras que proferi não foram do seu agrado por não terem sido colocadas no local apropriado.
Mas, meus caros, que local recomendam? Onde é que se fala de preocupações culturais, se não for nos encontros sobre cultura? A discussão provoca desconforto? Salazar pensava assim e Cavaco segue-lhe as pisadas. O mandatário para a candidatura do actual presidente da cãmara municipal de Setúbal, defendeu em manifesto impresso, na altura da campanha eleitoral, o silenciamento de quem discordava do seu mandatado. Querem o nosso silêncio? Acham a discordância inoportuna?
Lá volto eu àquela do Zeca: Há quem viva sem dar por nada, há quem morra sem tal saber".
Até à próxima.

JTD

O gosto dos outros

Vasco Pulido Valente aludiu ao assunto no coluna de ontem, no PÚBLICO.
Em entrevista à RTP, Cavaco disse: "Duas pessoas sérias com a mesma informação têm inevitavelmente que concordar". Referia-se à sua possível futura relação institucional com Sócrates.

Pulido Valente comenta: "Disse isto com toda a naturalidade e convicção, como quem declara uma evidência. sem uma reserva ou a mais leve sombra de ironia. Acha mesmo que sim: que duas pessoas só podem discordar por ignorância ou falta de carácter. Para ele, a verdade é unívoca e, pior ainda, não custa nada estabelecer. O fanatismo nunca falou por outras palavras e quem conserva um reflexo de independência e liberdade com certeza que as reconheceu pelo que elas são: a raiz da mais cega e absoluta intolerância".

É este o candidato que a direita quer colocar em Belém. Um homem que se diz para além da política, mas que faz política como se houvesse apenas uma razão para fazê-lo. A Cavaco não interessam os debates porque não lhe interessam para nada as opiniões dos outros. Seria tudo mais simples com a simples nomeação de um presidente do conselho. E então, lá estaria ele, munido de toda a informação e seriedade.

Como diz Vasco, na sua crónica, "Se não o aprovarmos, quem somos? Malandros de nascença? Uma cambada de patetas? Quem quiser que escolha":
JTD

domingo, 4 de dezembro de 2005

Deus os fez, Deus os juntou

Sócrates foi à missa. A homenagem foi a Francisco Sá Carneiro por ocasião do 25º aniversário do acidente que o vitimou. Segundo muitos em condenável atentado. Na Basílica da Estrela estava também Aníbal Cavaco Silva. Ao tempo da criação do PPD o actual primeiro-ministro andava por ali. Como não há amor como o primeiro, entendem-se as vozes que anunciam um casamento perfeito entre Sócrates e Cavaco. Deus os fez, Deus os juntou.
JTD

Liberace português

José Rodrigues dos Santos, o pivot do telejornal da televisão pública, resolveu adoptar um piscar de olho no final das suas aparições na caixa mágica.
Magia que deve ter aprendido com o mais piroso entretainer das televisões americanas de umas décadas atrás: o pianista Liberace. Rodrigues dos Santos poderá ser apelidado de "Liberace português". Só falta saber se sabe tocar piano. Oxalá saiba. Talvez assim possa ser contratado para animar um "hall" de hotel, deixando-nos em paz nas nossas noites noticiosas.
RR

sábado, 3 de dezembro de 2005

Contra os partidos, marchar, marchar

Eu até gostaria de expressar alguma boa vontade pela candidatura de Manuel Alegre.
Gostaria porque apesar de tudo sempre é um poeta, uma figura de topo do maior partido da esquerda portuguesa, um razoável orador. Mas as suas intervenções na pré-campanha assemelham-se às de Cavaco: abre a boca e, ou entra mosca ou sai asneira.
Hoje, em acesso de cólera contra os partidos políticos, resolveu classificar os cidadãos sem-partido como muito melhores do que os partidariamente inscritos. Disse mesmo que a mediocridade impera nos partidos. Será que o poeta andou a chafurdar nessa mediocridade até à bocadinho? Ou navegava com a sua imensa qualidade enquanto os seus correligionários vegetavam à sua volta?
Pessoalmente estou completamente à vontade: não pertenço a qualquer partido da democracia portuguesa. Sou, portanto, um cidadão de qualidade garantida.
Uma tristeza, este Alegre.
JTD

Bom fim-de-semana



David Hockney Imagem

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

Zeca em Moçambique


Hoje, na Bilblioteca Municipal de Setúbal, será evocada a passagem de José Afonso por Moçambique, num episódio de uma série de outras sessões evocativas das geografias "zecafonsianas".
Logo à noite será projectado o filme para o qual José Afonso compôs a canção "Vejam bem".
O filme tem por título "O Anúncio" e foi realizado por José Cardoso.
Haverá também uma conversa com João Afonso dos Santos, irmão de Zeca, e será interpretada a canção do filme por Francisco Fanhais.
Amanhã haverá continuação, também às 21,30 horas. João Afonso dos Santos e Mário Barradas estarão à conversa com os presentes. João Afonso e António Afonso interpretarão as canções compostas por Zeca para a peça "A excepção e a regra" de Bertolt Brecht. JTD

Poesia no teatro

Manuel Bola apresenta hoje o seu primeiro livro de poemas - Sem amor.
É no Teatro de Bolso, em Setúbal, a partir das 22 horas.
Participarão os actores: Célia David, Duarte Victor, Fernando Guerreiro, Isabel Ganilho, José Nobre e Miguel Assis.
No final o autor conversará com os seus leitores.
A edição é da Estuário publicações.
Esta acção tem o apoio do TAS - Teatro Animação de Setúbal.
JTD

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

À nossa

_
Muito obrigado a todos pelas manifestações de apreço pela nossa existência.
É bom existir, sem grandes medos nem complexos. Mas é melhor ainda perceber que estamos acompanhados nessa forma de partilhar a nossa vontade de existir.
Foi muito bom ler as palavras da Maria Manuel Santos, do José Barroso, da Sílvia, da Zica Lim, do Luís Marquilhas, do Daniel, da Ana, do Rui, do Tavanez, do Ross Pina e da Fátima.
Encheram-nos de alegria as simpáticas considerações dos nossos camaradas Luís Sequeira, Luís Novaes Tito, Jorge Santos e Chapa.
A todos ergo a minha taça.
Bem hajam.
JTD