quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

Comunidade de Luiz Pacheco


Carlos Curto dirigiu a representação de "Comunidade", o mais aplaudido texto de Luiz Pacheco. A peça vai estar este fim-de-semana no Teatro de Bolso, em Setúbal.
A interpretação será assegurada por António Revez.
Aí em baixo está um pequeníssimo excerto do extraordinário trabalho de Pacheco. Ler um texto destes é sempre um prazer.

"Quando a dor no peito me oprime, corre o ombro, o braço esquerdo, surge nas costas, tumifica a carótida e dá-lhe um calor que não gosto; quando a respiração se acelera em busca duma lufada que a renasça, o medo da morte afinal se escancara (medo-mor, tamanha injustiça, torpeza infinita), aperto a mão da Irene, a sua mão débil e branca. Quero acordá-la. E digo : «não me deixes morrer, não deixes...» Penso para comigo, repito para me convencer: «esta pequena mão, âncora de carne em vida, estas amarras suas veias artérias palpitantes, este peso dum corpo e este calor, não me deixarão partir ainda...» E aperto-lhe a mão com força, e acabo às vezes por adormecer assim, quase confiante, agarrado à sua vida. Ah, são as mulheres que nos prendem à terra, a velha terra-mãe, eu sei, eu sei ! São elas que nos salvam do silêncio implacável, do esquecimento definitivo, elas que nos transportam ao futuro, à imortalidade na espécie (nem teremos outra) pelo fruto bendito do seu ventre (eu sei, eu sei...)"

Apareçam no Teatro de Bolso. É hoje, amanhã e sábado, às 22 horas.

Imagem - Capa da primeira edição de "Comunidade":
JTD