Já pouca gente tem dúvidas: as alterações climáticas vão mudar a nossa vida, e, também em muitos casos, a nossa morte. Filipe Duarte Santos, o professor que percebeu tudo há muito tempo, explica riscos e denuncia atitudes. Os novos fascistas em actividade negam alterações e fazem finca-pé nas suas opções: as alterações não existem. Como é possível haver gente a querer gente como Trump a comandar as suas vidas? Gente que nega evidências. Gente má que se borrifa para quem é mais vulnerável. Espanha sofre com estrondo e drama os atropelos climáticos. O mundo está perigoso, dominado pelo crescimento fascista e pelo susto climático. É que isto anda tudo ligado.
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
Homenagem
ANDRÉ FREIRE | Não queria acreditar. O André Freire morreu. Estava quase sempre de acordo com ele. Provavelmente situava-se na área ideológica que se me abeira, e que é rejeitável pelos opinadores de direita que acham que as ideologias já não fazem sentido quando se defendem ideias diferentes das deles. Como comentador era inteligente e assertivo, digo eu, que sou pela assunção de posicionamentos ideológicos e acho que quem os nega também o é. Gostava muito do André Freire. Esta notícia é um choque. Triste.
O desassossego de abril
Foi mesmo um desassossego. Eu vi. Eu estava lá. E o Nuno Saraiva também. E o Manuel S. Fonseca também. O Manuel pôs tudo em palavras e o Nuno desenhou. Como estiveram lá lembram-se de muita coisa. E quem não sabe pergunta, lá dizia antigamente o povo. Eles foram perguntar e procuraram mais informações e opiniões para depois transformarem tudo nesta obra soberba que agora é motivo de conversa entre o Nuno Saraiva, o Pedro Soares e este vosso amigo.
O que se passou naquele tempo tão especial está aqui tratado com inteligência e humor, que é a melhor maneira de se perceber a inteligência. Há por aqui discussões, manifestações, balbúrdias, gritos de revolta, gritos de alegria, liberdade, muita liberdade, libertinagem até, liberdade sexual, sexo, vontade de falar, vontade de perceber tudo o que se passa, vontade de participar. Nos dias e nas noites que testemunharam este tempo único e fascinante aconteceu tudo o que a nossa imaginação tolera, mais o que nunca se imaginou que tolerasse.
Foi o nosso tempo de então, que ainda é o de hoje. Cinquenta anos depois de tudo isto, depois de conquistarmos a liberdade, muitos dos que estavam contra nós elegeram cinquenta deputados fascistas que conspurcam o parlamento e esbanjam ódio e a apologia do crime pelo Estado. Foi o estado a que isto chegou. Este livro do Nuno e do Manuel entram nesta nova batalha contra o fascismo e os fascistas. Que se lixem os fachos, diz o Nuno numa ilustração. Que se lixem, pois. Este livro é a alegria no combate.
Apareçam, no próximo sábado, às quatro da tarde, na Casa da Cultura, no espaço que se orgulho de ter o nome de João Paulo Cotrim. Até lá.
terça-feira, 29 de outubro de 2024
Sem noção
GNR e a PSP “não são racistas ou xenófobas”, diz ministra, acrescentado que as forças da ordem são compostas de "multiculturalidade" e "diversidade" de elementos.
Ena, ena, com tanto cosmopolitismo ainda nos estragam com mimos.
Fonte: Lusasegunda-feira, 28 de outubro de 2024
Os três duques
Lembram-se? Era uma série americana televisiva muito manhosa, só ultrapassada em ridículo, um pouco mais tarde, pelos shows de Donald Trump. Lá como cá, é das televisões que parece saírem agora os candidatos a Presidentes. Apeteceu-me fazer esta comparação: "Só me saem é duques", diz-se por cá quando a sorte não espreita. É a nossa má sorte.
O crescimento da direita mais extrema em Portugal faz-me lembrar estes direitolas televisivos. Já tivemos um primeiro-ministro que, não sabendo ler nem escrever, só se gabava de saber contar. Esse iletrado ser humano é agora considerado pelo comentador do reino dos grunhos o melhor primeiro-ministro em democracia. O pequeno comentador — acreditem: não é ironia aplicada à sua pequenez física. A avaliação física não é castanha do meu cartucho — chega-se à frente como o mais compreensivo dos comentadores-avaliadores de paróquia. A homilia é propalada aos domingos à noite, depois das notícias que a SIC seleciona. O paroquial comentador elogia à esquerda e à direita. Pisca o olho ao centro, e compreende a extrema-direita. Quer ver se cai nas graças do seu eleitorado básico - também não é ironia. Elogia o que é lamentável, pondo-se assim em bicos-de-pés para que os seus seguidores o lancem para a frente de batalha eleitoral. As banalidades e sugestões de exercícios políticos surgem como estratégia. Marcelo Rebelo de Sousa é inspiração. Foi como opinador especializado nestes conteúdos nada especiais que se tornou Presidente. Um dos mais lamentáveis presidentes, diga-se, e aqui não há ironia de espécie alguma.
Se o agora opinador de serviço vier a habitar o palácio de Belém, o PPD/PSD, partido de onde sairam quase todos os cinquenta deputados fascistas que vegetam no parlamento, passa a ser o partido que mais apetrechos angaria para valorizar o Museu da Presidência. A direita já anda a reunir as sobras. A tralha cavaquista começa a sair dos baús infectos. São três peças rascas para exibição em museu serôdio e triste. Fica a memória triste.
Design de comunicação
Da série Grandes Primeiras Páginas. Página/12. Buenos Aires.
sábado, 26 de outubro de 2024
Receituário
AS PALAVRAS, A MÚSICA, A ATITUDE | Vou participar no CONGRESSO INTERNACIONAL JOSÉ AFONSO, neste domingo, a partir das seis da tarde. Gosto sempre de falar de José Afonso, mas gostei muito mais de falar com ele. Conheci o seu trabalho antes de saber que ele morava em Setúbal, muito perto da casa dos meus pais, onde eu então morava. Ouvir "Vejam bem", e todas as outras músicas do álbum "Cantares do Andarilho" abriu-me a cabeça e os olhos. E até hoje fiquei nesse estado: cabeça e olhos abertos.
Odiar não é preciso
A manifestação contra o racismo foi enorme em emoção e participação popular. Não foi contra ninguém mas sim pela ideia de que devemos caber cá todos.
GIGANTRUMP
O livro conta a história de um fulano que vocifera contra tudo e todos e a todos trata mal. Há quem veja ali semelhanças com o cretino que pode vir a ser pela segunda vez presidente da nação mais influente do mundo. Daniel Tercio escreveu a história, joão Tércio ilustrou. O primeiro lançamento foi ontem, na Gigões & Anantes, livraria mítica que Francisco Vaz da Silva dinamiza. É em Aveiro e merece visita. Foi uma sessão bem frequentada e bem participada. Um fim de tarde bem vivido.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Receituário
GIGANTRUMP é a primeira experiência editorial da marca Elefante impanciente da Estuário editora. É uma história escrita entre Tércios: Daniel escreveu e João desenhou. Vai ser feita uma primeira apresentação hoje em Aveiro. É às seis da tarde. Eu vou estar lá a dar ao badalo com o Daniel Tércio, com o João Tércio e com o Francisco Vaz da Silva, que é o mentor da ideia Gigões & Anantes.
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Do esgoto
"Se atirassem mais vezes a matar, o país estava na ordem", diz o taberneiro que é líder parlamentar do partido fascista. O líder máximo pede mesmo condecoração para quem mata. Inclinados para a apologia do crime do estado, para o exercício da ditadura e da acção pela força contra a inteligência, perderam o pingo de vergonha que ainda lhes escorria pela face inundada de ódio. O parlamento português está infrequentável. Esta gente é abjecta. Cinquenta fascistas na Assembleia da República, sem qualquer sem qualquer respeito pela democracia, são uma vergonha internacional. Temos ali sentados cinquenta energúmenos que vociferam e esbracejam num constante delírio psicótico. Chamar-lhes porcos ofende a inteligência suína. Chamemos-lhes apenas fascistas. E combatamo-los. São criminosos delinquentes encartados.
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
O silêncio do corpo
Marina Abramović nasceu na Sérvia, mas saiu para o mundo com vontade de o abraçar com o seu próprio corpo. “The Artist Is Present”, que desenvolveu durante 90 dias e 700 horas no MOMA de Nova Iorque, é o seu trabalho mais saliente. Marina estava sentada numa sala enorme do museu. Só. Uma mesa e duas cadeiras simples, bem desenhadas, eram os adereços necessários para a performance. A artista permanecia imóvel, olhando quem se sentava à sua frente, desafiando as mais variadas reacções de um público curioso e com vontade de ali estar. Indiscretas câmeras de vídeo e flashes permanentes esclareciam que a coisa não seria totalmente efémera. Intimidavam, é claro. Filas de pessoas formavam-se durante todo o horário de funcionamento do museu. Desafio e experiência sem par.
“The Artist Is Present” tornou-se o trabalho mais comentado, apesar de muitos outros serem mais desafiantes dos limites físicos e intelectuais do corpo humano. Surpresa para ela e para todos os presentes: Ulay, seu companheiro na arte e na vida, apareceu por lá. Tiveram uma relação intensa durante doze anos, mas não se viam há vinte. O fim da relação com o fotógrafo e artista alemão foi perturbador. A experiência nesta performance desafiou emoções. A contenção durou o suficiente para que uma revisão rápida de um passado tão intenso fosse ultrapassado por um gesto de aproximação: Marina estendeu as mãos a Ulay por um brevíssimo momento em gesto carinhoso. Cedeu. Todo um passado perturbador parecia perdoado. Um cumprimento que é uma revelação de humildade, de reencontro sem reaproximação.
É preciso ceder e tentar perceber o erro. E se o erro permanece e insiste a vida acontece na mesma. Segue indiferente ao erro. Não temos que ser sempre vencedores. Desistir é legítimo. Quem não pode descarrega, dizem os sábios de outros tempos. A exposição pública contornada por um silêncio ensurdecedor provoca reacções diferentes entre quem se expõe. Se existe um passado, o presente torna-se mais denso: assustador, talvez, mas revelador das manchas da intimidade que ficam instaladas no corpo: causam ardor, doem, arrepiam e arrefecem, expressando-se por todos os poros. A vida de quem reconhece o erro é muito mais saudável do que a de quem insiste na sua verdade mentirosa.
Abramović expõe o seu corpo como objecto da sua Arte. Em “The Artist Is Present” o desafio cumpriu-se de maneiras diferentes para quem participou. O tempo, o silêncio, a exposição sem privacidade alguma inundam a cabeça de quem vive os dias das suas vidas só, de uma maneira diferente de quem está com muita gente. A observação, o espectáculo, transforma-se em dialéctica indecifrável para quem está de fora. Aquela performance desatou laços que sustentavam raminhos de atitudes perante a vida e os seus momentos de todos os dias: rotinas, atropelos, surpresas, tempos de felicidade entram em turbilhão. Um turbilhão de pensamentos que surpreendeu muitos dos praticantes. Esse é o desafio que Marina Abramović faz a si mesma e aos que conseguem o privilégio de a ter pela frente. Em outras acções artísticas chegou a desafiar os limites da resistência física. A morte é um limite. Temê-la é uma reacção natural. Conviver com essa compreensão é Arte para Marina Abramović. Gosto tanto de quem vive a observação e a prática artística com o corpo todo. Gosto tanto de Marina Abramović.
facebookterça-feira, 22 de outubro de 2024
O fumo e o fogo
ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA | É uma das maiores exposições da Festa da Ilustração. Grande em dimensão e em sentimento: recorda sempre João Paulo Cotrim, criador do projecto. A edição deste ano é de redobrado sentimento: homenageia especificamente José Afonso, a sua música e a sua atitude. Hoje ficam aqui mostradas três das dezenas de ilustrações que povoam A Gráfica - Centro de Criação Artística. Trabalhos de André Carrilho, Gonçalo Duarte e Nuno Saraiva. E também o texto que escrevi no Jornal da Festa, que abre com dois textos de José Afonso inebriados de uma actualidade que até mete impressão.
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
A presença das formigas
A Festa da Ilustração - Setúbal reedita a exposição concebida e exibida na Casa Da Cultura em 2017. A alusão às capas dos discos de José Afonso é agora motivo de visita à galeria de exposições temporárias do Museu de Setúbal/Convento de Jesus.
Escrevinhei o texto que se desenrola por aí abaixo para o Jornal da Festa. Partilho-o agora aqui, porque nunca é excessivo recordar a importância destes objectos estéticos que brilham não só musicalmente, mas também visualmente.
Vamos voltar a olhar para as capas dos discos de José Afonso. Vamos conviver com a excelência visual. Perceber o design como comunicação.
Esclareço: José Afonso foi pioneiro. Inaugurou uma nova maneira de fazer música. Também foi pioneiro na apresentação visual do seu trabalho. Num tempo em que as capas que envolviam os discos se limitavam a reproduzir a fotografia do autor, partindo do princípio que era a imagem do cantor que vendia, José Afonso convocou designers contemporâneos . Vão aqui estar os treze álbuns originais que José Afonso gravou. Há mais discos, é claro — singles, EPs e também gravações pontuais de solidariedade — mas estes são os originais concebidos com a exigência e o rigor do trabalho do artista na relação com todas as componentes de produção. Vamos olhar e ver.
José Afonso escreveu e cantou músicas novas. Mudou o mundo da música portuguesa. E mudou o nosso mundo, com as suas atitudes como cidadão interventivo. Para a divulgação do seu trabalho convidou competentes designers para vestir os LPs que ía lançando para nosso prazer e sorte. José Santa Bárbara foi o mais convocado. São dele o redesign das capas de “Cantares do Andarilho” e de “Contos velhos Rumos Novos”. Depois do inicio de actividade dessa alfaiataria, passou a vestir os trabalhos originais de José Afonso que eram editados nos finais dos anos. Concebeu originalmente “Cantigas do Maio”, “Venham mais cinco” e “Traz outro amigo também”. Mais tarde, já com a liberdade a marcar o nosso tempo, desenhou “Enquanto há força”, “Fados de Coimbra e Outras Canções” e “Como se fora seu filho”. O trabalho de José Santa-Bárbara é de grande qualidade estética e envolve a exigente estética do autor musical mais importante que viveu no nosso tempo.
Em Abril de 2017 ocupámos as paredes da Casa da Cultura com uma grande exposição sobre o trabalho gráfico na obra de José Afonso. Chamámos à mostra “Mas quem vencer esta meta que diga se a linha é recta”. Estiveram presentes os autores mencionados. João de Azevedo também, é claro. Conheci-o em 2013. Só lhe atribuía o pormenor de ter feito a capa do disco “Com as minhas tamanquinhas”. Percebi que é um homem cheio de mundo. Convidei-o para desenvolver a ideia iniciada nas “Tamanquinhas”, com o sentido de fazer uma exposição na Casa Da Cultura. Aceitou o convite e entusiasmou-se. O resultado foi uma exposição transbordante de alegria e emoção. Em Maio de 2015 João de Azevedo expunha pela primeira vez o trabalho que desenvolveu à volta da capa desse álbum.
Roma/Setúbal na capa de um disco
Quando José Afonso convidou João de Azevedo para conceber graficamente a capa do disco, havia uma grande distância a separá-los. João estava em Itália, José Afonso em Setúbal. A encomenda foi feita com a tecnologia possível na época: telefone fixo. José Afonso ligou ao João solicitando a tarefa. O briefing foi feito assim: José Afonso cantarolou ao telefone a música que dá nome ao álbum e descreveu a ideia geral da coisa. Entendido o pretendido, João envia de Roma para Setúbal, por correio, o resultado final, com três hipóteses para escolha. A ilustração mantinha-se, mas os fundos eram à escolha do freguês José Afonso. Um era azul mais ou menos turquesa, outro era num amarelo assim para o torrado, e a terceira escolha era o rosa vivo que veio a ser escolhido pelo dito freguês. Esta história foi-me contada pelo João. Sei que José Afonso ficou radiante com este trabalho. Disse-mo a mim. Eu também gosto muito desta capa. E das outras todas.
O álbum “Com as minhas tamanquinhas” saiu em 1976. É o trabalho mais directamente político de José Afonso. Andam por lá denúncias, ironias, gozos tremendos. Os desenhos de João de Azevedo documentam essas preocupações e desejos, agora que estas músicas únicas e intemporais voltam a circular nos pratos dos gira-discos, nos leitores de CDs, nas plataformas musicais, nos nossos sentidos. Muito obrigado, João de Azevedo.
NOTA: João de Azevedo faleceu em 2020. Daí esta menção específica à sua amizade com José Afonso.
A PRESENÇA DAS FORMIGAS
OBRA GRÁFICA NA OBRA DE JOSÉ AFONSO
Museu de Setúbal/Convento de Jesus
Exposição integrada na Festa da Ilustração, Setúbal
Imagem do interior da capa de Coro dos Tribunais |
Ilustração e design de José Brandão |
Design de José Santa-Bárbara |
Ilustração e design de Alberto Lopes |