A Festa da Ilustração - Setúbal reedita a exposição concebida e exibida na Casa Da Cultura em 2017. A alusão às capas dos discos de José Afonso é agora motivo de visita à galeria de exposições temporárias do Museu de Setúbal/Convento de Jesus.
Escrevinhei o texto que se desenrola por aí abaixo para o Jornal da Festa. Partilho-o agora aqui, porque nunca é excessivo recordar a importância destes objectos estéticos que brilham não só musicalmente, mas também visualmente.
Vamos voltar a olhar para as capas dos discos de José Afonso. Vamos conviver com a excelência visual. Perceber o design como comunicação.
Esclareço: José Afonso foi pioneiro. Inaugurou uma nova maneira de fazer música. Também foi pioneiro na apresentação visual do seu trabalho. Num tempo em que as capas que envolviam os discos se limitavam a reproduzir a fotografia do autor, partindo do princípio que era a imagem do cantor que vendia, José Afonso convocou designers contemporâneos . Vão aqui estar os treze álbuns originais que José Afonso gravou. Há mais discos, é claro — singles, EPs e também gravações pontuais de solidariedade — mas estes são os originais concebidos com a exigência e o rigor do trabalho do artista na relação com todas as componentes de produção. Vamos olhar e ver.
José Afonso escreveu e cantou músicas novas. Mudou o mundo da música portuguesa. E mudou o nosso mundo, com as suas atitudes como cidadão interventivo. Para a divulgação do seu trabalho convidou competentes designers para vestir os LPs que ía lançando para nosso prazer e sorte. José Santa Bárbara foi o mais convocado. São dele o redesign das capas de “Cantares do Andarilho” e de “Contos velhos Rumos Novos”. Depois do inicio de actividade dessa alfaiataria, passou a vestir os trabalhos originais de José Afonso que eram editados nos finais dos anos. Concebeu originalmente “Cantigas do Maio”, “Venham mais cinco” e “Traz outro amigo também”. Mais tarde, já com a liberdade a marcar o nosso tempo, desenhou “Enquanto há força”, “Fados de Coimbra e Outras Canções” e “Como se fora seu filho”. O trabalho de José Santa-Bárbara é de grande qualidade estética e envolve a exigente estética do autor musical mais importante que viveu no nosso tempo.
Em Abril de 2017 ocupámos as paredes da Casa da Cultura com uma grande exposição sobre o trabalho gráfico na obra de José Afonso. Chamámos à mostra “Mas quem vencer esta meta que diga se a linha é recta”. Estiveram presentes os autores mencionados. João de Azevedo também, é claro. Conheci-o em 2013. Só lhe atribuía o pormenor de ter feito a capa do disco “Com as minhas tamanquinhas”. Percebi que é um homem cheio de mundo. Convidei-o para desenvolver a ideia iniciada nas “Tamanquinhas”, com o sentido de fazer uma exposição na Casa Da Cultura. Aceitou o convite e entusiasmou-se. O resultado foi uma exposição transbordante de alegria e emoção. Em Maio de 2015 João de Azevedo expunha pela primeira vez o trabalho que desenvolveu à volta da capa desse álbum.
Roma/Setúbal na capa de um disco
Quando José Afonso convidou João de Azevedo para conceber graficamente a capa do disco, havia uma grande distância a separá-los. João estava em Itália, José Afonso em Setúbal. A encomenda foi feita com a tecnologia possível na época: telefone fixo. José Afonso ligou ao João solicitando a tarefa. O briefing foi feito assim: José Afonso cantarolou ao telefone a música que dá nome ao álbum e descreveu a ideia geral da coisa. Entendido o pretendido, João envia de Roma para Setúbal, por correio, o resultado final, com três hipóteses para escolha. A ilustração mantinha-se, mas os fundos eram à escolha do freguês José Afonso. Um era azul mais ou menos turquesa, outro era num amarelo assim para o torrado, e a terceira escolha era o rosa vivo que veio a ser escolhido pelo dito freguês. Esta história foi-me contada pelo João. Sei que José Afonso ficou radiante com este trabalho. Disse-mo a mim. Eu também gosto muito desta capa. E das outras todas.
O álbum “Com as minhas tamanquinhas” saiu em 1976. É o trabalho mais directamente político de José Afonso. Andam por lá denúncias, ironias, gozos tremendos. Os desenhos de João de Azevedo documentam essas preocupações e desejos, agora que estas músicas únicas e intemporais voltam a circular nos pratos dos gira-discos, nos leitores de CDs, nas plataformas musicais, nos nossos sentidos. Muito obrigado, João de Azevedo.
NOTA: João de Azevedo faleceu em 2020. Daí esta menção específica à sua amizade com José Afonso.
A PRESENÇA DAS FORMIGAS
OBRA GRÁFICA NA OBRA DE JOSÉ AFONSO
Museu de Setúbal/Convento de Jesus
Exposição integrada na Festa da Ilustração, Setúbal
Imagem do interior da capa de Coro dos Tribunais |
Ilustração e design de José Brandão |
Design de José Santa-Bárbara |
Ilustração e design de Alberto Lopes |