terça-feira, 22 de outubro de 2024

ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA | É uma das maiores exposições da Festa da Ilustração. Grande em dimensão e em sentimento: recorda sempre João Paulo Cotrim, criador do projecto. A edição deste ano é de redobrado sentimento: homenageia especificamente José Afonso, a sua música e a sua atitude. Hoje ficam aqui mostradas três das dezenas de ilustrações que povoam A Gráfica - Centro de Criação Artística. Trabalhos de André Carrilho, Gonçalo Duarte e Nuno Saraiva. E também o texto que escrevi no Jornal da Festa, que abre com dois textos de José Afonso inebriados de uma actualidade que até mete impressão.

Canto a fome de justiça
Canto o mistério das horas
Canto o crime amaldiçoado
No folhetim radiofónico
Canto o amigo em apuros
E a canícula da manhã
Os louros do falso médico
O congresso dos metais
Canto Virgínia sentada
Canto tudo canto nada
José Afonso. Antologia poética
Lá para o reino da Arábia
Havia amêndoas aos centos
Que grande rebaldaria
E a Palestina às escuras
Os sheikes israelitas
Já que estou com a mão na massa
Lembram-me os sheikes das fitas
Que dão porrada a quem passa
José Afonso. Venham mais cinco. 1973

JÁ O TEMPO SE HABITUA A ESTAR ALERTA
As metáforas dos textos de José Afonso perdem-se no tempo. Alastram até hoje e parece que vão ficar a alertar-nos para as agressões a esta realidade que insiste em existir.
Lembramo-nos de José Afonso não só pela grande qualidade da sua música, mas também pelo sentido que impunha aos seus textos.
José Afonso ilustrou com sons os textos que escreveu. As músicas que compôs inscrevem-se nos nossos sentidos. Cravam-se no corpo. Sentimos o ritmo destas melodias como safanões. O corpo estremece. A terra treme. Ouvimos estes textos com um arrepio. O seu trabalho como artista e como cidadão continua a ser um exemplo.
Os artistas que participam nesta alusão ao músico, expõem as suas metáforas visuais. São interpretações da realidade que os cerca. São opiniões. São atitudes. A qualidade destes trabalhos são farpas espetadas na mediocridade. Comemoramos a liberdade nestes cinquenta anos da revolução de 25 de Abril de 1974. José Afonso cantou a fraternidade e a igualdade como
senhas. Cantou a emergência do tempo. Cantou alertas. Disse o que nos faz falta. Cinquenta anos depois, e depois de tanta conquista, ainda é preciso dizermos o que faz falta: o que faz falta é avisar a malta. Malta avisada.







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