domingo, 30 de janeiro de 2005

Miserável

A campanha do PSD para as legislativas já atingiu o ponto zero. Mas a baixeza e o nivel zero são, exactamente, o seu modo de fazer política. O líder já chegou ao mais rasteiro que é possível nestas situações. As declarações de Santana Lopes são miseráveis. É ainda mais miserável ver a legião de apoiantes neste percurso agonizante. Já só lhe resta o corpo, como diz Ana Sá Lopes na sua brilhante crónica de hoje no Público. Mas o corpo já não está em muito bom estado. É um farrapo com graves perturbações, que tenta convencer o eleitorado de algo para que já provou não ter a mínima capacidade - ser primeiro-ministro. É triste ver que ainda há neste partido unipessoal dito social-democrata, gente que não tem a decência de se demarcar de uma criatura que está prestes a atingir a loucura. Mudem de presidente. Desenrasquem-se. Sejam decentes. Este espectáculo que insistem em exibir está abaixo de qualquer classificação. RR

sábado, 29 de janeiro de 2005

Disciplina

O que é absolutamente inacreditável é a gente ver o inenarrável Santana pelas costas e agora termos que aturar estes cromos em atitudes de promoção da criatura. O que eu não percebo é como é que se diz que se vai votar PSD, sem exibir um pingo de pudor. Não faz sentido misturar disciplina partidária com esta palhaçada santanista. Como o "senador" Balsemão, que em resposta a uma saudável intervenção de Mário Soares, no programa "Prós e contras", limitou-se a responder:"Eu vou votar PSD". Mas, pronto, esse é coerente. O seu tempo enquanto primeiro-ministro não foi muito diferente do tempo actual.
Outro cromo de serviço é o tal professor da TVI. Esse levou uma corrida em osso, mas pelos vistos mantém a disciplina. Correu a apoiar o inefável Menezes na corrida por Braga. É bem feito para aquela esquerda que até já achava que o famoso comentador tinha decência intelectual. Para esta gente a política é um divertimento solitário. Funciona enquanto lhes dá gozo. Quando não dá, mudam-se para a asneira.
RR

Então não conhecemos?

A juventude do partido de Santana resolveu participar na campanha com uns cartazes em que perguntam se alguém conhece José Sócrates. A resposta é: um homem sem obra, sem passado, etc.
Depois colocaram outro gigantesco cartaz em que a fotografia do seu lìder aparece em grandes dimensões com a designação: "Este você conhece". Então não conhecemos? É aquele que foi despedido por incompetência. Aquele que passa a vda a chorar e a disparar em todas as direcções. É aquele que ameaçou desistir da vida política por causa de uma tirada de humor. É aquele que quer processar as empresas de sondagens, devido às desvantagens reveladas. É o tal da incunbadora.
É, a gente conhece a peça. E verdade seja dita, estamos fartos dele. Se a juventude pêpêdista gosta tanto dele, porque não colocá-lo em seu chefe? A idade mental está muito próxima dos irreverentes petizes. Avancem. A malta agradece.
SLP

sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

Portinari | José Afonso


A Drummond de Andrade
(Com a devida vénia)

Velho Drummond se te tivera
junto de mim a esta hora
em que o silêncio é uma ordem
e a solidão longa espera
Tu me prestaras teu verbo
ou tua mão estendida
cheia dessa humanidade
que alguma vez pressentira
se alguma vez a estendera
como agora

Lembrar-te Drummond amigo
num território macabro
È como levares contigo
um filho desnaturado

Poema de José Afonso (Escrito na prisão de Caxias)
Pintura de Portinari

terça-feira, 25 de janeiro de 2005

Velho Drummond


Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

Tele Visões

No passado sábado as televisões portuguesas fizeram uma viva demonstração de como encaram o chamado pluralismo na comunicação social. Apesar de ser nítido que Sócrates atrasou a sua intervenção, na apresentação do programa eleitoral, para que passasse em directo nos jornais da noite, tal não aconteceu. Até a ajuda de Marcelo Rebelo de Sousa ao autarca Menezes conseguiu agarrar os nossos fornecedores de informação, em detrimento da apresentação de um programa de governo.
Isto quando uma iniciativa do mesmo tipo - Apresentação de programa eleitoral, no dia anterior, mas apresentada pelo animador Pedro Santana Lopes, passou em directo na SIC-N e na RTP 2, ou lá como se chama aquela bosta agora.
Será que as nossas televisões vão alinhar no faducho santanista? Querem circo? Acharam graça à palhaçada dos últimos quatro meses? Afinal, onde está a imparcialidade? E o serviço público, meus amigos?
E os outros partidos, não têm direito a nada?
O reinado do intendente Delgado está em expansão. Eles lutam contra as marés. Mas olhem que há mais marés que marinheiros. Lá diz o povo. E o povo, às vezes, não se engana.
JTD

domingo, 23 de janeiro de 2005

Santana, o puro

O ainda infelizmente primeiro-ministro, desdobra-se em atitudes de mau perdedor. Na entrevista ao "Expresso da meia-noite" da SIC-N, ficámos a saber que ele não foi o culpado de nada que aconteceu nos últimos meses. Foram sim, entre muitos outros, os seus ministros. Ele até teve que convencer alguns a avançarem com as medidas mais arrojadas. Ou sela, ele governou sozinho. Percebemos, finalmente, que os ventos e marés não são tempestade exterior ao governo. No próprio executivo ele teve que lutar contra as intempéries. Com um primeiro-ministro assim é muito mais salutar pegar no cão e ir à caça. Não é dr. Henrique Chaves? A entrevista parecia uma normal edição do Caras-Notícias, com o homem a explicar os enleios mundanos por que passou.
O hino da campanha, um orgulhoso gemido do mais deplorável mau gosto, é o melhor exemplo do nível dos ainda apoiantes da criatura.
Os dois partidos que disputam a governação do país têm obrigação de ter gente capaz de governar.
O PSD tem, obviamente, pessoas capazes de não envergonharem a memória dos seus fundadores.
Entre essas pessoas não está, obviamente, Santana Lopes.
JTD

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Delírio da vida



Morrer no Sul

Tão pouca é a vida,
o deslumbrado delírio da vida.

No tear se tecem os fios, o desenho das rendas,a
renda dos dias.
Ignoro quantos,
quantas tardes no fluir da paixão, quanto ouro e
azul na idade das mãos,
que idade no tear das mães.

Foram belas também no sonho antigo,
passearam entre os lírios,
desatavam a cabeleira e os vestidos,
iam à beira mar.

Poema de José Agostinho Batista
Assírio & Alvim, 1981
Pintura de Ilda David

quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

Alô, alô Messejana

António Mexia, o ministro da fachada santanista, quer deixar obra.
Estamos na presença de um verdadeiro constructor.
Agora é mais uma ponte. Ou túnel? Tanto faz. Para um governo demitido é obra.
Atenção povo de Messejana, será desta?
Aproveitem. A vossa tão desejada praia pode finalmente ser uma realidade.
Eu vou já escrever ao Ministro Mexia, enquanto ele meche.
É que gostava de ter um aeroportosinho aqui na minha zona.
Acham que ele vai nisso? Vai? Eu também acho.
Também gostava de ver um monumento a esse grande estadista que é Santana Lopes.
Podia ser ali no centro do parque Mayer. Grande ideia, hã?
Força Mexia. "Um homem sonha, a obra nasce"? Nã, nem é preciso sonhar.
É só prometer obras todos os dias.
SLP

terça-feira, 18 de janeiro de 2005

André Roubliev | Andrei Tarkovsky



Porque
o vento cobre de imagens os telhados.
O tempo das colheitas
já passou, vem a morte, André Roubliev,
um cavalo
tão fértil como a chuva sobre os ícones.


Poema de Gil Nozes de Carvalho

segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

Lado a lado



Fátima Rolo Duarte lançou este "Onde estás" já lá vão dois anos. Um livro em que o narrador nos "explica" onde estão os outros. Ou melhor, onde se tenta perceber que relação estabelecemos nós com os que amamos, na distribuição dispersa das peças no tabuleiro de um jogo recorrente e ás vezes tão complicado. Jogo a que quase sempre, ingenuamente, pensamos conhecer as regras.
É por isso que "Onde estás" não é uma interrogação. É uma verificação com dúvidas: as constantes investidas na tentativa de perceber o outro, tantas vezes sem o tão esperado sucesso.
Um livro que gostei de ler. Aguardo a publicação da próxima reflexão da autora.
O texto escolhido para compor a contra-capa, permite-nos uma aproximação ao armadilhado território desta história. JTD

"No início é tudo tão delicado como no planeta
da terra amarela onde ele apanha as pedrinhas
que guardo no meu peito aberto.
Recordas-te agora da criança que eu carregava
ao colo, que partia e eu não queria,
amor, não vás embora sem mim
e quando olhas-te, choravas tu tanto, e ela dormia,
tão parecida com a aresta do teu rosto,
um relâmpago, um menino pequenino
a desabar no meu colo e dizias
que a estrada era sempre a mesma.
' Eu morro' e a minha boca calada
de nada te servirá.
Ficamos assim como estamos, lado a lado, atados.
Porque partiste sem mim?"


Titulo: Onde estás
Autora: Fátima Rolo Duarte
Capa: Jorge P. G.
Edição: Oficina do Livro.
Novembro, 2002

Pintura de Mark Rothko

domingo, 16 de janeiro de 2005

Heil sua majestade

Luis Cerqueira abnegado convoca-nos a atenção para algo que parece apenas uma tonteria, mas que é uma atitude gravíssima quando se trata de alguém que é neto da soberana de um país civilizado. O princípe Henry resolveu usar um traje nazi para curtir na boa. É certo que em matéria de tontos a família do rapazola tem sortido rico. Mas acima de tudo é a utilidade da monarquia que está em causa. Falam nos valores superiores de que são unjidos desde a nascença. Vai-se a ver e é esta parvoíce. Mas para chegarmos a esta conclusão não é preciso ir muito longe. Basta ficar aqui, no nosso país. Herdeiros da coroa já enchiam um táxi. Um deles vai agora parar ao parlamento da República. Quanto ao nível da exibição da palermice são muito semelhantes aos seus confrades ingleses. É Deus que os escolhe para nos orientar, dizem eles. Deus anda tão distraído...
JTD

Momento de humor

"Não sou, fui ou serei nenhum comissário político"
Luis Delgado

Figuras tristes

Miguel Relvas faz lembrar aquele ministro iraquiano (como é que ele se chamava mesmo?) que com as tropas invasoras já às portas de Bagdad, dizia que não havia qualquer motivo para preocupação. O inimigo levaria uma valente lição se ousasse entrar no território contolado pelas forças de Hussein. Tudo se dissolvia à sua volta, mas qual quê? Tudo era previsível e razoável. Tudo estava controlado. Os invasores levariam uma lição inesquecível. É verdade que o invasor ainda lá anda ás voltas, que é para não ser parvo. Mas também é verdade que o dito ministro (como é que ele se chamava mesmo?), fez uma figura triste. Relvas é o triste de serviço neste partido social democrata unipessoal. Com aquele ar de bimbo com muito gosto, faz as delícias dos jornais televisivos. O termo "mais-papista-que-o Papa" acenta-lhe como uma luva. E ele calça a luva com muito gosto. SLP

sábado, 15 de janeiro de 2005

Pomar | Camões



Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No Mundo grandes tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

Júllio Pomar Desenho
Luiz de Camões Poema

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

Maré alta


Aqui há uns tempos, Santana Lopes resolveu meditar sobre a Cultura. Dotado do seu parco conhecimento mas ambiciosa demonstração de vaidades, lá se pôs a escrever. Desse esforço solitário saiu um inenarrável caderno, incluindo na capa uma fotografia do autor com Frank Gehry, como se o famoso arquitecto fosse um dos mais proeminentes construtores de Lisboa. Este desastroso "documento" foi apresentado, com pompa e a devida circunstância, pela escritora Agustina Bessa-Luis, que na ocasião disse que Santana era "um homem de todos os tempos, faça chuva ou faça sol".
De maneira que, quando vejo os cartazes da campanha do PSD com a frase "Contra ventos e marés", calculo que seja inspirada na intervenção da escritora. Só que, pensando melhor, isto não faz sentido: um homem de todos os tempos também se devia adaptar aos ventos e marés, resultantes dos Elementos que ele tão bem conhece.
O problema é que o vento não lhe está de feição. O melhor mesmo, é que no próximo dia vinte de Fevereiro, vá com a maré, para que um pouco de sol banhe a política em Portugal.
JTD

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Jim Dine | José Régio



Cântico negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí

José Régio Poema
Jim Dine Pintura

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Português actualizado

Nova palavra no dicionário de Língua Portuguesa
Santanice (de Portug Santana) - acto ou acção de alguém que acaba sempre por prejudicar outro alguém e ser também ele prejudicado com esse acto ou acção, sem ter consciência disso. Forma de agir inopinada e irresponsável que prejudica toda a gente envolvida directa ou indirectamente na acção, sem que o autor tenha uma consciência absoluta dos consequências dessa acção - "fez-lhe uma santanice" " acabou por se santanizar" "se disse isso vai ser santanizado", estupidez, parvoíce, inexperiência, irresponsabilidade de grande dimensão, efeito negativo de algo dito ou feito por um inconsciente com poder para o fazer.

Julian Schnabel | Jorge de Sena



Génesis

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça ...- Ai quantos que eram novos
em vâo a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade... Ó transfusâo dos povos!

Não há verdade: O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

Jorge de Sena Poema
Julian Schnabel Pintura

É a cultura, estúpido!

O tema, desta vez é "Cultura Popular vs Cultura Elitista". O convidado especial é o ensaísta e programador António Pinto Ribeiro a propósito do seu recente livro "Abrigos - Condições das Cidades e Energia da Cultura". Apresentação a cargo de Ricardo Araújo Pereira. Anabela Mota Ribeiro vai justificar o debate. Os outros, são os do costume. A sessão promete. É hoje, às 18,30, no São Luiz. Lá estaremos.
JTD

terça-feira, 11 de janeiro de 2005

Franz Kline | Luis Miguel Nava



Sem outro intuito

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.

Luís Miguel Nava
Vulcão I
Poesia Completa
1979-1994
Prefácio de Fernando Pinto do Amaral
Organização e Posfácio de Gastão Cruz
Publicações D. Quixote. 2002

Pintura de Franz Kline

segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

Momento de humor

«Acredito convictamente em que o PSD vai ganhar, não só porque temos o melhor projecto, como porque Pedro Santana Lopes é muito melhor primeiro-ministro e tem um passado atrás de si que honra quem o fez»

Miguel Relvas. "A Capital"

Deus também tira férias?



O drama asiático já fez as mais variadas opiniões. Todas solidárias. Todas piedosas.
Mas acima de tudo fez vítimas. Morreu muita gente. Gente que não merecia esta tragédia. Ninguém merece que uma tragédia destas lhe caia em cima.
Uns acham que foi um castigo dos céus. Talvez as inacreditáveis testemunhas de Jeová vejam aqui o princípio do fim do mundo há tanto almejado.
Outros interpretam este fenómeno como um desastre natural com poucas possibilidades de prevenção.
Há quem fique chocado com o excesso de informação. Outros ficariam mais satisfeitos com campanhas de caridade mais intensas.
Há espectáculos de solidariedade. Há quem manifeste o seu pesar entre duas festas sociais, tipo "Tão bonzinho que eu sou".
Há de tudo um pouco. E para lá de tudo isto, há as pessoas que de um momento para o outro ficaram sem nada.
Num habitual debate semanal, na RTP 1, o inenarrável Pires de Lima, do PP, dizia que nós devíamos estar muito agradecidos por nada nos acontecer neste cantinho abençoado. E os que estiveram à mercê deste desastre, dirigem-se a que repartição de que teocrática instituição? Talvez o inefável Lima pudesse esclarecer as populações atingidas sobre os motivos do castigo. Noutro debate, "O Eixo do Mal", na SIC N, toda a gente se queixou do tal excesso de divulgação da intempérie. E, alargando o âmbito da discussão, da banalização em que essa repetição transforma as tragédias. Talvez tenham alguma razão. Mas chegar-se ao ponto de considerar as fotografias de Sebastião Salgado um vómito, parece~me excessivo. Sim, um tal Júdice, criatura que quase sempre diz nada, resolveu dizer algo demolidor. Ou seja, considerar a obra de um fotógrafo singular, algo de verdadeiramente repugnante.
Esta gente prefere esconder o sofrimento humano, porque esteticamente não é apreciável. Preferem a caridadezinha à solidariedade.
Da forma como prolifera, até parece que o disparate foi abençoado.
JTD
Fotografia Sebastião Salgado

sexta-feira, 7 de janeiro de 2005

Atitude lamentável?

Porque é que a atitude da ministra da Educação causa tanto espanto? Porque é ministra da Educação. O problema é que ela própria ainda não percebeu isso muito bem. Calhando pensou estar a dirigir uma associação filantrópica baseada nas preocupações juvenis. E para isso não faz falta nenhuma a maçada de ir à Assembleia da República aturar essa gente da política. Basta dar uma volta pelo centro comercial e falar com as pessoas. Ou ir ao cabeleireiro, porque não? Aí é que está o país real que os chatos da esquerda tanto reclamam. Razão tem o primeiro-ministro, que prefere os locais nocturnos de diversão. Aí, a malta já está com um grãozinho na asa e não discute nada. Até acha porreiro esse convívio com os altos cargos da nação. Eu acho mesmo que futuramente a actividade ministerial devia ser descentralizada. Que tal fazerem-se umas reuniões na redacção da Caras ou da Lux? Assim era logo tudo publicado e com fotografias giras à brava. Não era cá essa balda de um alto representante do Estado ter que responder aos jornalistas, à saída de um qualquer encontro, sem antes ter acesso a um maquilhador ou cabeleireiro. Isso sim, é lamentável.
JTD

quinta-feira, 6 de janeiro de 2005

Pacheco 55

José Pacheco Pereira faz hoje anos. Que faça muitos mais na companhia da lucidez que lhe permite dizer isto: "Se Sá Carneiro fosse vivo, a sua fotografia saltaria dali mais rápido ainda do que a de Cavaco. Haja respeito pelos mortos, que já não estão cá para falar e se defender, mas sempre fizeram e escreveram o bastante para se perceber a abissal diferença. Abissal." abrupto
Parabéns.
JTD

José Gomes Ferreira | Barnett Newman



Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?

Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida.

José Gomes Ferreira Poema
Barnett Newman Pintura

terça-feira, 4 de janeiro de 2005

Hodgking | Bocage



Olha, Marília, as flautas dos pastores

Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?
Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores.
Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira.
Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu não te vira,
Mais tristeza que a noite me causara.

Bocage
Pintura de Hodgking

segunda-feira, 3 de janeiro de 2005

Turner | Pessoa



As nuvens são sombrias
Mas, nos lados do sul,
Um bocado do céu
É tristemente azul.

Assim, no pensamento,
Sem haver solução,
Há um bocado que lembra
Que existe o coração.

E esse bocado é que é
A verdade que está
A ser beleza eterna
Para além do que há.

Fernando Pessoa
Pintura de Turner

sábado, 1 de janeiro de 2005

O Mundo do Pedro

Insisto. Vale a pena ler os textos de Luis Sequeira no abnegado.
Este é fresquinho. Começamos o ano bem.
O vazio incomoda. Sobretudo quando é poder. Se esta rapaziada não fôr apeada em Fevereiro, o melhor é mesmo pensarmos na emigração. Será que vivemos num país de insuportáveis basbaques?JTD

Bocage 2005


Bocage e as Ninfas. Óleo de Fernando Santos. Museu de Setúbal - Convento de Jesus

Manuel Maria Barbosa du Bocage
Nasceu em Setúbal a 15 de Setembro de 1765 e morreu em Lisboa a 21 de Dezembro de1805.
Neste ano que agora nos acompanha, assinalamos os duzentos anos da sua morte.
Comemoramos o quê? Comemoramos a sua poesia e sua postura irreverente num tempo de poucas permissões.
Bocage era neto de marinheiro e marinheiro se tornou a partir de 1781, tendo embarcado para Goa no ano de 1786.
Depois de ter fugido para Macau, regressou a Lisboa em 1790. Foi a partir desta data que teve início a sua vida de boémia.
Não foi grande companheiro de padres e reis. Adoptou um pseudónimo - Elmano Sadino.
Foi pouco convencional nos usos e costumes da época em que viveu. Publicou, em vida, alguns poemas. Nunca se preocupou com o politicamente correcto, abordando temas como o amor e o ódio, a liberdade. a religiosidade, a fatalidade do Ser Humano. Sempre com a preocupação da perfeição absoluta.
Neste ano de comemorações de uma efeméride que lhe diz respeito, esperemos que a cidade que o viu nascer não mace a sua memória com os já tristemente famosos disparates, tornando um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos num objecto de eleição de artistas e cantores de pouca credibilidade intelectual.
Senhor presidente e senhora vereadora: Bocage não é propriamente um produto da sociedade de usar e deitar fora. Foi alguém, que no seu tempo, tería desprezo por esse tipo de atitudes. Se não sabem como respeitar o seu testemunho, perguntem. Não façam mais alarvidades do que as que já mancham, e muito, a vossa curta existência à frente dos destinos da autarquia.

Ao longo do ano faremos as devidas vénias a este autor extraordinário. Hoje começamos com este poema:

Debalde um véu cioso, ó Nize, encobre
Intactas perfeições ao meu desejo:
Tudo o que escondes, tudo o que não vejo
A mente audaz e alígera descobre.

Por mais e mais que as sentinelas dobre
A sizuda Modéstia, o cauto Pejo,
Teus braços logro, teus encantos beijo,
Por milagre da ideia afouta e nobre.

Inda que prémio teu rigor me negue,
Do pensamento a indómita porfia
Ao mais doce prazer me deixa entregue.

Que pode contra Amor a tirania,
Se as delícias que a vista não consegue
Consegue a temerária fantasia?


RR