A gente às vezes pensa que receber cartas é coisa do passado. Recentemente vivi a experiência.
O João Paulo Cotrim enviou-me o seu Navalha no Olho (Nova Mymosa). Estávamos no primeiro confinamento. Não podia ser de outra maneira. Experiência falhada. Como o livro nunca chegou — mau, mau Correios de Portugal — só lhe tive acesso já a refeiçoar com o autor, em parcial desconfinamento. São vinte e três poemas curtos e saudáveis. A Navalha do Olho é para disfarçar. É o erotismo que preenche estas páginas. Recomenda-se a quem gosta de sexo.
Nos últimos dias repeti a experiência. O Embate (Medula), do Henrique Manuel Bento Fialho, iria ser enviado para minha casa. Correio tradicional, livro enfiado num envelope e colocado na caixa pelo senhor carteiro. Desta vez funcionou. Já cá canta. A nota inicial diz assim: Este é um livro de textos. Não é contra nada nem ninguém, é a favor dos textos. Ainda não parei de o ler. São reflexões, pensamentos, textos que nos sugerem outros textos.
Senti-me como "as garotas ansiosas por notícias do namoro", da canção O Carteiro, que o Sérgio Godinho canta, originária do Conjunto António Mafra. Estes recebimentos causaram-me simultaneamente felicidade e angústia. Em outros tempos, o lançamento destes livros era motivo de encontro com abraços, beijos, dança, e por aí afora. Agora é isto. Os livros dos amigos são sempre uma alegria e um orgulho para nós. É bom na mesma (como o sexo), mas sabe a pouco, como no sexo menos bom.