Luís Montenegro, primeiro-ministro eleito de Portugal, resolveu aderir à moda circunstancial da auto-ajuda motivacional que resolve todos os males do mundo e o português em particular, na sua ilustrada opinião. Assumiu o seu papel de guru coaching sugerindo uma receita de sucesso fácil, barata e que dá milhões: vamos ser todos Ronaldo.
Ronaldo, para quem não saiba ou esteja longe de apreciar uma entretenga muito popular no seu país, é um praticante de uma modalidade a que deram o nome de futebol. Mas alto lá: é um praticante de extremo sucesso, havendo até quem diga que é o mais notável português de sempre. Existe até um líder de um partido populista, líder do partido fascista e agora candidato presidencial, que cresceu nessa modalidade — comentando as práticas futebolísticas em indescritíveis programas de televisão — e que trouxe com grande sucesso para a política esses tão apreciados comentários ensopados de conceitos de bradar aos céus. As comparações de atitudes de políticos com as entradas em campo de futebolistas são chutadas a toda a hora e em todos os salões, pavilhões e relvados para as pessoas "perceberem lá em casa". Esta expressão, que me tira do sério ao ponto de mudar de imediato de canal, ilustra o nível de conteúdos em que vegeta a política e o seu comentário.
É por esse trilho que Montenegro caminha. Não conhece livros, baralha autores, não vê teatro, nem cinema, não tenta perceber o que não quer conhecer, mas ouve Tony Carreira como grande nome da cultura musical (mais recentemente Toy foi adicionado ao pacote) e vai à bola e conhece os protagonistas que nela dão pontapés. Daí o apelo ao exemplo de Ronaldo. Devemos ter a mentalidade Ronaldo. É aqui que se revela a mentalidade Montenegro. Para ele o país funcionaria melhor se todos tivéssemos nascido pobrezinhos mas com uma funcional mentalidade virada para sermos ricos. Muito ricos de preferência. E para isso o melhor seria, de pequeninos, arranjarmos uma bola e começarmos a dar nela de manhã à noite, com rigor vencedor logo a partir daí. Quem não souber dar pontapés na bola pode dar noutra coisa qualquer. O que é preciso é crescer a dar muitos pontapés. Chegados a ricos é tentar não pagar impostos e fugir a obrigações que dão trabalho. Depois é comprar carros caros que de pobretanas não reza a história dos vencedores; tentar ter prazer sexual com quem não está para aí virado nem que seja à força; mandar vir filhos por correspondência, pagando é claro, que o dinheiro compra tudo; arranjar uma mulher com "um bom corpo" que a casa e os rebentos precisam dos cuidados que só uma mulher conhece; jogar à bola onde for preciso e para quem pague mais, e jantar com os homens mais poderosos do mundo mesmo que sejam muito perigosos e com carácter de minhoca. Crimes são coisas que acontecem, como diz o outro, e os novos-muito-ricos não têm vagar para aturar gente que só pensa em solidariedade, carácter, decência, cultura e mais não sei o quê.
A mentalidade Montenegro é isto. Temos um primeiro-ministro encantado com os manuais de auto-ajuda. Um homem que mal sabe ler e escrever é primeiro-ministro e quer que o principal guru de um país seja um parolo narcísico, bilionário, incomensuravelmente vaidoso e deslumbrado com as suas próprias atitudes ridículas. Temos um primeiro-ministro que é um inenarrável parolo sem nível nenhum, encostado a uma extrema-direita perigosamente triunfante, rodeado de gente inclassificável, que se augura de líder dos novos tempos. O futuro já chegou. Já estamos na lama. Essa é que é essa.
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