Queremos morrer saudáveis. Fazemos por isso. Mas quando esse desejo não se instala, quando sabemos que vamos morrer, desejamos inverter a situação. Queremos viver. Fazemos por isso. Umas vezes temos sorte, outras não. As leis que defendem o fim assistido são uma garantia de dignidade perante o fim da vida. Só mesmo quando nada resulta temos essa lei para proteger-nos do sofrimento físico.
Em Portugal a lei foi aprovada, mas Marcelo anda a empatar a sua aplicação exercendo manobras vergonhosas. É a sua religião que o ilumina na atitude nada democrática. A direita radical aprova e aplaude. O radicalismo religioso, quando aplicado pelo poder decisor, é uma afronta aos direitos das pessoas. Marcelo não respeita as decisões do parlamento.
"O quarto ao lado" revela uma atitude perante o drama da doença terminal. Assinala a coragem de alguém que quer morrer porque não se pode curar. Percebe-se que é o pensamento de Almodóvar, que aqui revela o que pensa do assunto Morte e das consequências para quem cá fica. Martha (repórter de guerra) pede à amiga Ingrid (escritora) que fique com ela até ao fim. Encontrou um comprimido na darknet que a mata quando ela quiser. A inicial hesitação da amiga passa a concordância. Fica no quarto ao lado, da luxuosa casa alugada para o efeito, aguardando o esperado mas doloroso desfecho. Há muito sofrimento, mas também alegria contida. Nada será como até ali. Um dia não haverá dia seguinte. A personagem de John Turturro, um intelectual que é amigo e que foi amante das duas mulheres, estabelece uma generosa ligação entre as amigas e a advogada que vai defender Ingrid. Num encontro com Ingrid revela a sua preocupação com a insistência do neoliberalismo e o crescimento da extrema-direita. O mundo não vai sobreviver a tanto abuso capitalista. Pedro Almodóvar sempre revelou lucidez na posição política e coragem na denúncia da igreja católica.
A repórter de guerra perdeu a batalha contra a morte. Morreu. Mas morreu como quis. Escolheu o seu fim e assim venceu o sofrimento e a angústia da espera. A escritora foi solidária e também ficou bem na observação daquele quadro final tão à Edward Hopper. Sofreu as ameaças de um polícia fanático religioso. Inevitável, a estupidez policial quer sempre vencer. Estranha natureza humana, esta da brutalidade policial. Grande filme, grande realizador, grandes representações. O cinema liberta-nos quando nos comove.