segunda-feira, 27 de maio de 2024

Próximo da noite

PEDRO CHORÃO | Foi um regalo ter as pinturas de Pedro Chorão em comemoração de Abril/Maio. Foi um prazer desfrutar de uma qualidade estética desta dimensão. A exposição foi visitada por um público exigente — como documentam as imagens — mas ainda surpreendido pela consistência e capacidade de inovar deste artista que se recusa a ficar por simbologias gastas. Pedro Chorão surpreende sempre.
Agora que a exposição termina, ficam algumas imagens que a documentam para que a memória não nos traia. Foi nas galerias da Casa Da Cultura | Setúbal. Convivemos de perto com a excelência da grande pintura portuguesa e do mundo. Muito obrigado, Pedro Chorão.
O texto de Ana Nogueira e as imagens que documentam a exposição podem ser observados aqui:

PRÓXIMO DA NOITE

À ventania de Pedro Chorão
Por Ana Nogueira
Quase todos os dias sente-se o vento, próximo da noite. As folhas e os ramos manifestam-se, os pássaros procuram o interior das copas. É sempre este vento, mais fresco do que foi a tarde, que nos faz mudar de ideias. Comemore-se o dia dentro de casa. Um quadro de Pedro Chorão é um abrigo, temporário, enquanto o vento se instala. Um casaco bastaria, claro, mas nada se compara àquele conforto, preferimos senti-lo com os olhos.
Os ventos não mudaram, a pressão sempre existiu.Distraímo-nos com o céu azul, o calor do sol, com esta saborosa liberdade de vestir leve e uns chinelos de dedo. Expostos, até confiantes de que muitos nos acompanham, mostramos com poucas reservas o prazer de sermos. Desnudarmo-nos facilita a comunicação, expressar o que realmente quer-se dizer, ouvimos melhor? Esquecemo-nos dos ventos. Voltam porque é da natureza, raramente previsíveis à nossa perceção ocupada pela vida. A pressão é alta. Os répteis estão ao rubro nestes dias de sol, escondem-se debaixo, atrás, por entre, em buracos, nas sombras que encontram, nos fundos escuros, nas caves fechadas, nas tocas dos outros, nas cavernas que a erosão construiu. Não fazem nada. A luz, afinal em excesso, encandeia, há uma cegueira branca, sem maus cheiros, não damos muito por eles. Outro dia. As cores húmidas dos quadros de Pedro Chorão são densas, nada têm de líquido, a fluidez não interessa, a macha por vezes pastosa, multicamada sem volume a pesar como força contrária. Precisamos resistir. Arrefece, a brisa é passageira, escurece. Não se trata da noite, que é o sítio dos atentos, estamos ainda a meio do dia. Escurecem as cores, num todo, sem contraste, a paleta fresca nebulosa anuncia através de traços-mancha, pinceladas sobrepostas suficientemente visíveis para distinguirmos as necessárias, apontam em várias direções, dependendo do vento, mas em conjuntos. Pedro tem tudo sobre controlo, quer dizer, no sentido da composição que construiu, revela a eminência do caos. Avisa. Os sinais estão lá, como não percebemos isto antes? A humidade está no ar, não lava e nem mata a sede, é de ventos que se trata.A ventania agita as árvores de Pedro, põe à prova a paciência daqueles ramos, a direção muda depressa, tanta contradição, inverdade, estes ventos insistentes porque não se calam, sabem o que dizem, para eles é pouco importante, o que interessa é falar, falar, falar, até parecer verdade. Os ramos parecem partir-se, alguns podem perder-se levados pelo vento, mas é só um sonho, as árvores resistem. Caso alguns quebrem, podem sempre tentar voar, sendo certo que cairão, são partes secas que afinal o vento podou. Os troncos fragmentam-se em pedaços sem desmontar, estão ligados como uma soma de ossos articulados, como um esqueleto apertado, fragmentos muito juntos entre si, é só a nossa perceção sobre o que a ventania faz a uma árvore. Pedro Chorão tem toda a razão, isto é um momento crítico. Aqueles galhos partidos podem bem ser partes substantivas, não temos tempo para nos interrogar sobre o que vem a seguir. Instalou-se a tempestade. As árvores de Pedro mantêm-se, estão vivas. Referimo-nos à sua força, não à verticalidade, que troncos ocos mortos também ficam de pé e contra estes é benéfica uma tempestade daquelas que derruba. Ventos assim significam baixa pressão, logo, uma descida à sobrevivência, promovem insónias, olhos abertos, ficamos de sentinela. Não se trata de uma descida ao medo, as árvores fustigadas estão apenas a reagir contra a entropia. Nada está garantido. Nestes quadros a ventania cobre momentaneamente pequenas porções da fronteira instável daquelas árvores, que nos faz adivinhar uma certa configuração em movimento. Tudo mexe, o fundo disforme, a figura que se decide na indecisão da forma e da paleta, que melhor maneira de clarificar na complexidade dos seus elementos. Nesta fase, valia a pena ter um par de botas para substituir os chinelos, é uma questão de temperatura. Parece que o assunto é distinto, mas podemos regressar a um dia de sol nos quadros de Pedro Chorão. O vento mantém-se, determina o estado geral da pintura. A ventania, tão importante, sem ela ficaria outra coisa na tela. O movimento acorda. É preciso arejar, continuar mesmo quando próximo da noite estiver mais fresco do que esteve a tarde.

Pedro Chorão, Ana e eu.

Pedro Chorão e visitantes no dia da abertura.

Ana Nogueira antes da abertura.

Aspecto da exposição

Dia da abertura.

Abertura/apresentação.

João Castelo Branco e Paulo Henriques. 


Aspecto da exposição

Aspecto da exposição

Aspecto da exposição



1 comentário:

Anónimo disse...

Fabuloso!