"Catarina e a beleza de matar fascistas" é um marco na cultura teatral contemporânea. Corre mundo, e ainda bem. O surgimento de novos fascistas, agora já sem botas cardadas, mas sim muito arranjadinhos, com roupas de marca e muito bem preparados — Os melhor preparados de sempre, dizem os especialistas e analistas de serviço — desperta-nos para atitudes de rejeição dessa nova ordem, mas encontra-nos no território de uma estranha razoabilidade, onde tudo nos é apresentado como normalizável. Não é. Não pode ser. O final da peça é uma surpresa que se entranha de imediato.
Em "Na medida do impossível" estamos no centro do conflito. São relatos amargos e tristes, mas que tentam encontrar a esperança. Tiago Rodrigues é um mestre desta nossa maneira de olharmos o mundo. Nós achamos que estamos atentos, mas ele vai mais além. Mergulha em todas as impossibilidades. Todos os atropelos à existência são interpretados aqui de uma maneira tão lúcida que nos faz olhar com maior compreensão para o que ainda não tínhamos percebido, absorvendo-nos num imenso manto de derrota. Ficamos surpreendidos com as situações limite. Muitas definitivas. O sofrimento e a morte devido a guerras insistem em existir para gáudio dos novos imperadores.
"Catarina e a beleza de matar fascistas" e "Na medida do impossível" são peças sobre o triunfo de um aparente imobilismo que nos quer encontrar derrotados e tristes. Mas Tiago insiste em alertar-nos. Só podemos agradecer-lhe.
Assisti às representações destes dois monumentos culturais em tempos diferentes, como é evidente. Na passada sexta-feira fui à Culturgest. Mulheres e homens de grande qualidade artística e intelectual subiram a este palco de denúncia e revolta. "Um murro no estômago", dizia-me um amigo à saída. Com razão. Mas saímos dali mais crescidos. Com mais vontade ainda de percebermos o que nos está a acontecer. E reagirmos. Não nos peçam para frequentarmos espectáculos manhosos dos Emanueis, Clementes, Toys ou Carreiras. Mais murros na cabeça não, por favor.
Na medida do impossível
Encenação e texto
Tiago Rodrigues
Interpretação
Adrien Barazzone, Beatriz Brás, Baptiste Coustenoble, Natacha Koutchoumov
Música ao vivo
Gabriel Ferrandini
Tradução
Thomas Resendes
Cenografia
Laurent Junod, Wendy Tokuoka, Laura Fleury
Composição musical
Gabriel Ferrandini
Luz
Rui Monteiro
Som
Pedro Costa
Colaboração artística, figurinos
Magda Bizarro
Assistente de direção
Lisa Como
Produção
Comédia de Genebra
Coprodução
Teatro Nacional D. Maria II – Lisboa, Odéon-Théâtre de l'Europe, Piccolo Teatro – Milão, Équinoxe – Scène nationale de Châteauroux, CSS Teatro stabile di innovazione del FVG – Udine, Festival d’Automne à Paris, Théâtre national de Bretagne – Rennes, Maillon – Théâtre de Strasbourg scène européenne, CDN Orléans / Centre-Val de Loire, La Coursive – scène nationale de La Rochelle
Colaboração
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteiras