segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Cuidado com as imitações

(...) De forma que para comprar o Casimiro
Em vez do insulto do boicote ou da ameaça
Disse-lhe: Sabe que no fundo o admiro
Vou erguer-lhe uma estátua aqui na praça

Sérgio Godinho. "Cuidado com as imitações". Àlbum "Campolide".

AS ESTÁTUAS | Às vezes é melhor estar calado. Acontece muito. Não temos que ter opinião sobre tudo o que mexe ou está quedo. Mas esta discussão sobre estas estátuas erigidas mais recentemente causaram-me uma inflamação de bichos carpinteiros. Lá vai opinião.
Começo por dizer que prefiro a escultura, como expressão artística superior, às estátuas a tentar ser o mais parecido possível com o homenageado. Quando o homenageado viveu já depois da descoberta da fotografia a coisa complica-se ainda mais. Para quê pegar no retrato e fazer um estátua? Não é artista quem diz que o é e pronto. Em Arte tem de haver um motivo para a obra. Uma ideia inicial que depois se desenvolve com o intuito de causar surpresa. O mundo só nos espanta através da Arte. O artista percorre vales, montes e urbes, observa o que o rodeia, documenta-se, e parte para a obra sem a necessidade mental de satisfazer a encomenda, mesmo que esse trabalho seja encomendado. O cliente, e, posteriormente, o observador, serão surpreendidos, ou não, mas nunca pelo rigor académico. É a surpresa, a alegria da criação, que deve passar para o espaço acessível a quem observa.
Dito isto, acrescento que não aprecio estatuária nenhuma desde Leopoldo de Almeida, que me lembre. Acrescento ainda que o puritanismo em discussão não me parece o ponto. Não é a nudez que choca, nessa estátua a Camilo. Mas a obra põe-se a jeito. E nos tempos que correm — tão depressa e bem — aquilo não faz sentido nenhum. É sexista e artisticamente alarve. Mas destes mamarrachos contemporâneos, doem-me mais os erigidos para homenagear José Afonso — todos, sem excepção — e imagino o que ele diria se as tivesse visto. Sobraria o seu sentido de humor para dar alguma utilidade àqueles monos inenarráveis. Esta é a minha opinião. Não consigo emocionar-me a olhar para retratos de pedra, metal ou seja de que material for a três dimensões. E já que estou com a mão na massa, termino com o final da canção do Sérgio.

A moral deste conto
Vou resumi-la e pronto
Cada qual faz o que melhor pensar
Não é preciso ser
Casimiro para ter
Sempre cuidado para não se deixar levar

[Imagem: escultura de Carl Fredrik Reuterswärd. Instalada em frente à sede da ONU em Nova York. É só um exemplo de um bom trabalho. Na minha opinião, é claro].