quarta-feira, 25 de março de 2020


UMA HISTÓRIA SIMPLES | António Mega Ferreira faz 71 anos hoje, neste 25 de Março, terceiro dia do estado de emergência. É jornalista, escritor, tradutor, gestor cultural e observador atento da realidade. Mas para muitos será sempre o senhor Expo'98. Sei que a minha vida e as relações com os meus amigos não interessam para nada, mas este é o meu espaço de opinião e desabafo, e hoje apetece-me falar deste meu amigo. É uma história simples, que interessará apenas a alguns aqui citados e a quem tem a amabilidade de comigo estar neste lugar de convivência virtual. Vai demorar um bocadinho, apesar de tentar ser breve, sempre são trinta e três anos de amizade.
António Mega Ferreira era então director editorial do Círculo de Leitores. Recebeu um projecto fotográfico do Maurício Abreu para editar por lá, e atinou com a maqueta que desenvolvi. "Título: O Homem e o Mar". Texto do José Manuel Fernandes. Com o livro editado e bem recebido pelos leitores, achou que poderia ser eu a fazer o desenho gráfico de uma ideia que estava a desenvolver. Encontro marcado para 23 de fevereiro de 1987. Mas a morte de José Afonso nesse dia reteve-me em Setúbal. Liguei para o Círculo e comuniquei o impedimento. Falta justificada. Reunião marcada para dia 26. Assunto: grafismo da revista LER. Trabalhei na LER, mas também fiz capas para livros e concebi a imagem de outros projectos editoriais do Círculo. Trabalhar com Mega Ferreira é um privilégio. Inteligência e perspicácia aliadas a um humor a transbordar a cada instante. Mas ali também conheci outra gente que me marcou e que anda por perto até hoje: Fernando Luís Sampaio, Dulce Reis, João Francisco Vilhena, Maria José Belchior, Guilhermina Gomes, Preciosa Tavares, Leal Ferreira. O chefe de redação era o Francisco José Viegas. E o patriarca de serviço era um grande senhor que toda a gente adorava: Manuel Dias de Carvalho. O intervalo para almoço era uma festa. Hora e meia em que o humor e o conhecimento se encontravam à volta de acepipes vários. Mas o prato era o menos: eu absorvia aquelas conversas como aulas de uma disciplina reinventada todos os dias. Eu, que só conhecia o ambiente cultural setubalense, saía dali fascinado. Uns meses mais tarde sou convidado para dirigir graficamente outra aventura em que o Mega se meteu: a revista Oceanos. Trabalho intensificado e contactos com gente fascinante. Nesta roda viva ainda arranjei tempo para fazer a capa do livro que o Mega publicou em Maio de 1988 — As Caixas Chinesas, com ilustração em folhas de colorir da Mecanorma (outros tempos).
Entretanto afastei-me de Mega Ferreira e dos seus projectos editoriais e de gestão cultural. Acontece na vida. Convidado por Maurício Abreu, fiz maquetas para campanhas promocionais turísticas oficiais e privadas. Respondi a concursos públicos em muitas noites sem dormir. Perdi alguns, mas ganhei outros. Trabalhei para o país Portugal de lés-a-lés. Deixei Setúbal. Só voltei com a abertura da Casa da Cultura, em 2012.
Em 1996 fui convidado para integrar o gabinete de imagem da Expo'98. Não foi Mega Ferreira que me convidou, a intensa vida que praticávamos afastou-nos durante muito tempo, mas reaproximámo-nos durante esse período. A Expo foi um desafio e um prazer muito grandes.
Agora encontramo-nos por aí: lançamentos de livros, conferências, aberturas de exposições, almoços, jantares, tintos, brancos e outros convívios. Em 2010 conheci pessoalmente o João Paulo Cotrim, homem de livros, conversas e petiscos, que também alinha nesta amizade e nos prazeres que a vida nos vai consentindo. Um dia destes vamos continuar a conversa do último almoço, certo?
E pronto, esta não é uma história de vida de António Mega Ferreira. É um relato resumido da minha amizade com ele. Hoje completa mais um ano de uma vida bem vivida. Em 2019 chamou os amigos e celebrámos a existência de um homem discreto e distante da vulgaridade. Há quem encontre ali algum snobismo. Eu não. Vejo vontade de perceber e viver o que o mundo nos dá de melhor. Hoje não há festa por razões conhecidas. Vivemos todos momentos de afastamento e tristeza. Mas vou ligar-lhe, com um copo de tinto erguido. Brindamos à distância. E vamos já combinar o tal jantar, com data editável, é claro. A virose não está para brincadeiras. Parabéns, António.
A fotografia é do João Francisco Vilhena
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