NO VAI E VEM DA MARÉ | Hoje é acrescentado mais um ano à minha existência. Chegar até aqui não foi difícil. Foi o que foi. As nossas vidas são feitas de altos e baixos. Não me queixo. Mas o presente é tão baixo que nos arrasa. Nunca vivi acima das minhas possibilidades. Aliás, acusarem-nos desse abuso num país onde os ordenados médios estão ao nível dos mínimos praticados por toda a Europa, é no mínimo um insulto à nossa inteligência. Mas os homenzinhos que nos governam e os opinadores ao seu serviço garantem o contrário: Todos vivemos à tripa-forra, e, por mor disso, vamos ter de viver no limiar da mendicidade. Homenzinhos: vão convencer os tótós que votaram nas vossas miseráveis promessas, mas não façam de todos nós parvos. Vivemos tempos de razia social e cultural. Vivemos tempos difíceis, de facto. A ideia desta gente é por-nos a pedir trabalho por favor aos donos do mundo, recebendo o menos possível. Os donos do mundo são elogiados pelos opinadores de serviço por despedirem e eliminarem vidas. São as gorduras, dizem. O que eles dizem. Gordurosos. Comemoro o meu aniversário com esta tristeza. Diz-se que os homenzinhos têm uma agenda. Nós também. Tenho aqui anotado: correr com os trogloditas que nos governam o mais depressa possível. Era isso que estaria inscrito no meu bolo de aniversário. Mas eu não "uso" bolo. É mau para o consumo, para a economia do país, mas confirma a minha atitude: não viver acima das capacidades de coisa nenhuma. Muito menos das reais gorduras. Prefiro viver e conviver em voz alta. Sem substancias oleosas no teclado nem no palato. Faço o que posso. Convoquei, apesar de tudo, a alegria: José Afonso veio cantar o "parabéns". Esta canção define o estado da arte: estamos por trás de uma janela, onde não se ouve nenhuma estrela, por trás daquele portão. Foi José Afonso que uma vez disse: Qualquer dia estamos reconduzidos à condição de homenzinhos e mulherzinhas. Temos é que ser gente, pá!
É este o meu discurso de aniversário. Era melhor qualquer coisa mais optimista? Concordo. Fica para outra vez. Para hoje, para os tempos que correm, é o que se pode arranjar.
Muito obrigado.