domingo, 18 de janeiro de 2009

Voz dos pacientes

Aos domingos, as opiniões dos pacientes que vão chegando via correio electrónico.

Caríssimo Teo,
assim como o mundo cristão (católico apostólico romano, ortodoxos, maronitas, igrejas reformadas tradicionais, pentecostais e neo-pentecostais entre outros) não é igual, o mesmo se passa no chamado "mundo islâmico". Há diferenças abissais entre a situação da condição feminina na Tunísia, na Arábia Saudita, no Iraque e na Palestina, só para citar uma fatia mínina. O Patriarca de Lisboa errou, e feio, nas suas afirmações que traduziram não somente o desconhecimento da realidade de um mundo marcado pela diversidade, mas que expressam sobremaneira a postura conservadora e pouco aberta ao diálogo do Pontificado de Bento XVI. Há muitas coisas que uma mulher católica apostólica romana não pode fazer. Nem vale a pena referir aqui quais são. Como tu sabes, as afirmações do cardeal de Lisboa, pela sua "importância", ganham uma relevância extra-religiosa e podem respaldar opiniões mais estreitas. É fodido! Eu sou um gajo ateu e tenho uma enorme admiração por gente que tem fé - ao contrário da minha educação política que ensinou o desprezo pelas religiões - e ao me pôr na pele dos muçulmanos e muçulmanas experimento um novo tipo de náusea. Mas, pronto, eu sou latino-americano, e sempre soubemos quem era o nosso inimigo no Vaticano. O patriarcado de Lisboa é somente a reverberação - em mármore branco - da voz mais intolerante alguma vez saída de São Pedro... "Allah sabe o que faz" diria o meu ex-namorado da Tunísia.

Com um abraço
Carlos Alvarenga - Lisboa

Cirurgião de serviço - Carlos, é claro que todas as opções religiosas vivem na diversidade. Que umas são mais tolerantes do que outras também todos sabemos. E não é preciso recuar muito no tempo para percebermos as intolerâncias maiores. E aí é que está a questão - nenhuma parece suportar quem não professa a sua fé. No recolhimento das suas preces rejeitam-nos. O que eu acho normal. Logo, a Tolerância é tão relativa como a Razão: cada um gasta da que quer. O cardeal de Lisboa, que até nem é propriamente um troglodita ignorante e tosco, alertou as "suas" fiéis. Cuidou do seu rebanho. Ou imaginas alguém dessas religiãoes islâmicas com "diferenças abissais" defender a tolerância para com um seguidor de Cristo? Não creio. Vasco Pulido Valente colocou bem a questão ao referir a impossibilidade de uma união matrimonial entre gente que adora tão diferentes deuses. Tal só é possível se um abraçar a religião do outro. As "normas de funcionamento" inscrevem diferenças abissais.
Eu, que tal como tu sou ateu, respeito as religiões que me permitem ter as minhas posições perante a sociedade. O ódio que existe, por parte de certos agnósticos à Igreja Católica, ultrapassa o razoável. Assim como não compreendo a solidariedade de certa esquerda perante religiões opressivas que vão em tudo contra o que defendemos nesta sociedade onde todas as permissões são bem vindas.
O teu namorado tunisino tem exactamente a mesma opinião que os mais conservadores dos cristãos, budistas, judeus etc. Todos acham que o deus deles é o maior. Eu também tive uma namorada cristã e não veio mal à minha vida por isso - acabámos por casar e as diferenças pontuais não beliscam o relacionamento. O meu receio é que os mais radicais se unam todos contra nós. O que não me parece praticável de todo. Os desenvolvimentos teóricos de gente como Sam Harris, Chistopher Hitchens, Richerd Dawkins ou León Rozitchner, entre muitos outros, descansam-nos. O debate está instalado, pelo menos aqui entre nós. Não me parece que seja permitido no mundo islãmico. Achas que aquela palhaçada do autocarro londrino era possivel de representar na Tunísia?
Bem, não repiso mais. A gente depois discute isto entre dois os três copos, uma noite destas. Abraço. JTD