quarta-feira, 23 de junho de 2004

RETRATOS POLITICOS, 3

Público, 23 de Junho:
Paulo Portas: «não houve (da parte da Nato) reparo nem críticas à substituição das nossas capacidades submarinas» (sublinhado meu). A frase contém o seu próprio desmentido e só tem sentido se Portas aludir a outras coisas, pois nós não tínhamos quaisquer capacidades, tínhamos obsolescências, obsolescências submarinas. Contudo, atente-se no acetinado da expressão, é maviosa como o seu sorriso - alacremente submarino.
Fixa-se o seu retrato e confere: tudo nele está a submergir. Está-lhe estampado, fez um pacto para suspender a dissimulação. O mistério eclode aqui: que leva alguém a querer interpretar um papel precisamente para não ser crível? Suponhamos que o Paulinho aparece vestido de Romeiro, no Frei Luís de Sousa, e que o público, antes que ele solte o «Ninguém», comenta baixinho: é o Portas! A ser esse o objectivo, a pergunta impõe-se: para que se dá ao trabalho de pôr a máscara? Falta-lhe de facto o decoro - palavrinha que deve ser o ai jesus lá em casa - ou no fundo submarino que o impele está a despesa, um tique de perdulário?
Páginas adiante, um membro da família política do sr. ministro, e que como ele não poupa  os sorrisos, o inefável Silvio Berlusconi, tira-me do sério. O primeiro-ministro italiano acusa a esquerda de fraude eleitoral nas eleições europeias. Assegura que alguns dos boletins de voto favoráveis ao seu partido foram anulados pelos seus escrutinadores. E tem este delicioso deslize freudiano: «A Força Itália é integrada por uma série de pessoas ingénuas que são facilmente enganadas».
Veio-lhe, como a Paulo Portas, a verdade submarina à tona.

AC