quarta-feira, 23 de junho de 2004

RETRATOS POLITICOS, 2

PÚBLICO, 22 de Junho:
A minha alma está burra. O corpo do defunto ainda está tépido e já o seu segundo se desobrigou do voto, a acreditar em Miguel Coelho, que afiançou a disponibilidade de António Costa para se candidatar à presidência da câmara (de Lisboa). Ainda o defunto, a sós com o seus botões, agora irremediavelmente a sós com os seus botões, enquanto dedos, olhos e vísceras se lhe dispersam, desaustinados, goza os clamores da vitória, e já o seu alferes se mostra desapegado de todos os lugares, de todos os compromissos, de teodolito assestado na câmara. Coração tão transfuga só o do Santana, que tudo quer mudar para Monsanto, havendo no seu staff quem assegure que até o Parque de Monsanto Santana quer transferir para Monsanto. Pobre do professor, que até no passamento se mostrou um homem cuja palavra não volta atrás, e que agora vê a do seu segundo tomar a feição das coisas imateriais. Matilde, não lhes perdoes!
"O anúncio de Manuel Maria Carrilho foi um factor de perturbação da nossa estratégia", criticou o airoso Miguel Coelho, ao apresentar os nomes eleitos pela concelhia de Lisboa do PS. Não sei em que é que um bom candidato pode perturbar um processo, a não ser que à competência assegurada se prefira o controle sobre a distribuição de benesses. Carrilho tem tudo para fazer muito bem o lugar - inteligência, ideias, iniciativa, capacidade para escolher equipas, aura mediática e humor. Muito mais do que qualquer dos outros candidatos. Devem odiar que seja tão culto, e que não obedeça às conveniências. Que não siga os cursos da Paula Bobone, como Sócrates. Há outra qualidade que se lhes afigura insuportável: é um homem de bem consigo, com um friso de vaidade a acompanhar-lhe o passo. Como se não fosse legítima a vaidade no pavão e fosse preferível a vaidade do peru. O que vale, informa-nos Miguel Coelho é que a direcção do partido pode chamar a si a escolha do presidente da câmara, caso não concorde com o nome proposto pela comissão política concelhia. Que Carrilho não se intimide e avance, obrigando a direcção do partido a clarificar-se ( - ainda que já anteveja Ferro Rodrigues a empurrar o seu adversário Sócrates para a câmara, e o titubear deste na formulação do "s-i-m, na saúde e na doença!").
Entretanto lê-se também que Jorge Coelho se "reafirma equidistante". O prefixo no verbo é que me incomoda. Que nada o move para se precupar com alinhamentos face ao próximo congresso do partido, disse, a confiar no Público. Que proibiu os "ferristas" de usarem o seu nome como putativo apoiante do chefe - assevera o matutino. É espantoso - então o homem não se alinhou no dia das eleições, quando diante das câmaras, endereçou os parabéns a Ferro Rodrigues e, apertado pelos jornalistas, se afirmou indefectivelmente ao lado do líder? Preocupa-me uma tão flagrante perda de memória num homem da minha idade. E então leio que ele próprio não se candidata à presidência do partido por, a) razões políticas, e, b), pessoais (motivos de saúde - assim mesmo, entre parêntesis, murmura-se no jornal). Faz-se-me luz: coitado do Coelho, está com Alzheimer.

AC