sábado, 10 de abril de 2004

Em Abril, memórias mil


Não me comove o já serôdio abrilismo de pacotilha. O 25 de Abril foi há trinta anos, e os meus amigos de mais ou menos essa idade, não souberam o que era o fascismo, e ainda bem.
Também não me emociono com os "saudosos" anos de implantação da República. Ainda não existia como criatura e os relatos soam como algo muito longe. O bem que estes históricos acontecimentos nos fizeram é imenso. São bens adquiridos, por nós utilizados como vulgar electrodoméstico. Mas vale a pena recordar o melhor, o que ficou depois da poeira.
Vamos fazê-lo aqui durante o mês de Abril.
Começamos com José Afonso, poeta. Um poema não musicado, escrito em Março de 1981. JTD

TU MORRES TODOS OS DIAS

Tu morres todos os dias
libertando telefonemas
diante da minha mágoa
exposta à ira dos dias
levo-te cravos vermelhos
flores recentes da estação
Morres e vais caminhando
sobre uma estrada de fumo
o lume que nos sustenta
Já não cheira não tem vida
À vezes vens-me à lembrança
descalça ao longo da praia
Vivo terrores de madraço
Com dívidas acumuladas
Seguindo de perto o tráfego
Saberei um dia amar-te
Tu morres tu pontificas
eu respiro a tua sombra
Ai repouso do guerreiro
Sobre o abismo repousas