segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

Graves certezas 

Gosto das crónicas de José Eduardo Agualusa, na Pública, aos Domingos, de quinze em quinze dias. Já disse e redisse. Por isso mesmo, não vou deixar de transferir para aqui, uma muito pequena passagem do texto de hoje. A parte mais sensação, confesso.
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Quem ainda não aprendeu a falar também, em princípio, não aprendeu a mentir. Há excepções. Há quem nunca aprenda a falar e, todavia, aprenda a mentir. Estou a pensar, por exemplo, em George Bush.
Acredito nas crianças e nos cães. Não confio nos gatos. Entretanto, tive um filho. Ele não acredita no Pai Natal. Não acredita em vampiros, nem em fadas, nem em bruxas, nem em anjos, nem em dragões. Não acredita que o Michael Jackson é negro. Já descobriu que os professores não sabem tudo e tem dificuldade em compreender para que serve um advogado. Explicou-me que quando as pessoas morrem não vão para o céu, não senhor, porque no céu só há nuvens e pássaros, e estrelas à noite. Quando as pessoas morrem vão para dentro de uma caixa com flores. Também não confia nos gatos. Nos cães, sim. Tem sobretudo uma enorme fé nele próprio. É um céptico precoce. Mas é um céptico feliz. Eu tento ensinar-lhe que é possível acreditar na humanidade mesmo sabendo que os professores não sabem tudo e que os juizes também erram. Mesmo sabendo que o Pai Natal não passa de um rapaz pobre, disfarçado de velho rico, que finge oferecer brinquedos para, de facto, os vender. Mesmo sabendo que George Bush é o presidente da América.
São mais as coisas para as quais não tenho resposta, hoje, do que quando era adolescente. Creio, porém, haver menos a recear de um homem com dúvidas, do que daquele que exibe graves certezas sobre tudo.

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JTD