domingo, 28 de julho de 2024

Um atelier que fica no mundo

Pedro Cabrita Reis estava na ESBAL quando se deu a revolução. Toda a gente foi para a rua gritar a liberdade. Atitude assumida pelos artistas que tiveram a sorte de estar a despontar nesse tempo de tolerância e descoberta de novos comportamentos. 

Cabrita Reis começou logo aí. Pescoços e olhares viraram-se para si. A revista ArteOpinião, publicação de reflexão e esclarecimento artístico, teve a sua colaboração desde que foi dada à estampa. Era editada pela associação de alunos das Belas-Artes. Tenho a ideia que foi ele que fez uma entrevista a José Afonso. Na altura, em encontro com José Afonso, no café Tamar, em Setúbal, mostrei-lhe o meu exemplar, e, como ele ainda não tinha a revista: olha, fica com ela, eu vou arranjar outra. Aquilo esgotou. As entrevistas ao Zeca eram um fenómeno, como alguns dos meus amigos se lembrarão, e acabei por nunca encontrar outro exemplar. Não me lembro se cheguei a falar com Cabrita sobre este assunto, mas tenho intenções de o fazer brevemente.
Há uns anos, poucos, falei-lhe na possibilidade de fazermos uma intervenção sobre o seu trabalho na Casa da Cultura, em Setúbal. Encontrei-o num "bidon de gasolina", como diria José Afonso, entre cafezinhos, no caminho para os Algarves. Fiquei de lhe ligar para falarmos. Entretanto surge a pandemia e deu-se a "travagem Brusca", como escreveu João Paulo Cotrim. Tanto projecto adiado. Tanta conversa interrompida. Nem tudo ficou bem.

ATELIER | A exposição que agora esteve nas instalações da Mitra, na Rua do Açucar, é provavelmente a grande exposição do ano em Lisboa. Cabrita organizou a mostra como se estivesse no seu próprio atelier. Chamou-lhe isso mesmo: ATELIER. O artista recusa-se a organizar o seu trabalho segundo as convenções. A normalização não é fumo do seu charuto. Mas esta desorganização está muito bem organizada. As peças encontram-se ali naturalmente, como se tivessem vida própria e escolhessem com quem estar. Estive com ele no sítio, num dia em que decidiu por lá passar. Avisou-me: não há roteiro. A exposição pode ser vista de trás para a frente, ou da frente para trás. Percebe-se essa não intenção de se encontrar uma cronologia, mas os ambientes foram encontrados. Objectos sobrepõem-se e dialogam. Pinturas conhecidas mostram-se junto a outras ainda sem identificação pública. Parece-me existir uma ideia: é o público que deve procurar relacionamentos estéticos. Essa interacção é sugerida pelo alinhamento, acho eu. O artista procurou as evidências do seu passado recuperando conteúdos para os nossos dias. Os materiais utilizados convivem denunciando a mão de Cabrita. O que ali esteve só poderia ser feito por ele. Existe uma intenção de assunção de origens, mas também da autenticidade transformadora. Esta exposição é de pintura, de escultura, de assamblage, de fotografia, mas é sobretudo instalação. O que ali esteve foi uma mostra que recupera o atelier/galeria, como montra de uma vida de cinquenta anos de actividade. Fui lá duas vezes. Iria mais, se houvesse prolongamento. Circular por aquele espaço da Mitra foi uma festa. Uma festa que comemora um artista, mas também festeja a Arte e a cultura contemporâneas. Parabéns, Pedro Cabrita Reis.

Pedro, Carlos Martins, Eugénio Fidalgo e este vosso amigo no dia de reabertura do Restaurante Fidalgo, em junho de 2010. Todos os outros registos são da exposição na Mitra. E são assim uma espécie de escolha pessoal.

















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