domingo, 24 de março de 2024

Ensaio sobre a diferença

A expressão "todos diferentes, todos iguais" não pretende garantir que somos todos iguais. Muito pelo contrário: assume a diferença como qualidade do ser humano. Não é a cor da pele que nos distingue, mas sim a maneira como vivemos e interpretamos a realidade que nos cerca. Somos mesmo todos diferentes. E é nisso que somos todos iguais.

SOMOS EVIDENTEMENTE DIFERENTES | A recente expressão eleitoral de muitos de nós informa-nos que muitos de nós não gostam de estar connosco. Somos todos diferentes. Toda a gente que votou num partido antidemocrático revela assim que não quer estar connosco neste sistema democrático. Sistema que nos permite votar e participar na sociedade. Sistema que nos permite ter direitos e assim nos protege. Sistema que nos permite aceder à Arte e à cultura em geral através de apoios aos que criam. Sistema que não considera excessivo tudo o que não seja rentável. Os que votaram nesse partido não querem saber da cultura e da dignidade cultural que nos define. Os que votaram no partido neofascista não se importam nada se esse partido é fascista ou não. Não querem saber se esse partido quer rejeitar alguns de nós — pela diferença de cor ou religião —, acabar com o apoio à saúde de todos, ou tornar a escola um lugar de competição desregrada [ou com as regras deles). Votaram num partido que quer que todos vão à missa e que odeiem quem não vai. Querem um país de tradições semelhantes às que brindavam as políticas de antes de Abril de 1974. Não querem saber do facto de metade dos candidatos a deputados do partido estar com problemas graves com a Justiça. O que se espera de quem só semeia ódio? No tempo do fascismo histórico, de antes de Abril de 1974, os fascistas frequentavam o "Ballet Rose" e depois iam à missa ao domingo. Os fascistas podem pecar. São pecadores generosos e bons. Também podem não querer nada disto, e sim o seu contrário. Isso não importa. Quem vota num partido antidemocrático quer votar num dos seus — o grande chefe — e ir depois para a taberna, ver a bola, beber umas cervejas e "mandar umas bocas" a quem quer mais do que isso. Ficam descansados. Descansam nas "justas" opiniões do chefe. Ou então vão para as redes sociais vomitar ódio para defender o odioso chefe que idolatram. Inventam "cenas", enaltecem a sua superioridade face aos que vêm de fora, mentem sempre. São sempre do contra. Enquanto o seu partido não mandar nisto tudo serão sempre contra "os que estão lá agora". Não percebem que quando o seu partido desfizer isto tudo eles são os primeiros a ser desfeitos. Não percebem nada, nem querem saber. Há no entanto um sentimento firme que revelam: ruindade. são gente ruim. Gente irresponsável e má. Não é possível que vote num partido que destila ódio quem não tem ódio no coração. No coração não, na mente. Como dizia Cruzeiro Seixas: "o coração pulsa dentro da cabeça".
NOVOS FASCISTAS? |Parece que muitos dos que agora votaram nos neofascistas sem trambelho são gente jovem. Foram as redes sociais que lhes fizeram a cabeça, diz-se. A geração "mais preparada de sempre", dizia-se em tempos chegados. Preparada para quê? Para ser parva? Claro que não foi uma geração que deu este obsceno resultado aos fascistas. Foram alguns dessa geração, claro, mas também os das outras gerações anteriores que ainda se escondiam nos buracos onde vegetam entre o ódio e a baboseira. As gerações não definem comportamentos. São aqueles que dizem que sempre viveram em liberdade, e que sempre disseram o que pensavam, como se quem só "pensa" em dizer disparates não os pudesse desde sempre alardear. Os facistas só não querem que se diga o que eles não querem que se saiba. Não gostam de comentadores da realidade honestos ou de artistas que se exprimam com surpresa. Não gostam de cinema, teatro, música, literatura que nos faz pensar. Assistimos a declarações de futuros deputados desse partido "denunciar" a certeza de que todos os artistas são de esquerda. Não especificam o que fariam com gente tão incómoda caso fossem poder, mas percebe-se uma intenção — cada vez menos — escondida. Não se podem exterminar? O "bom povo" eleitor apoiaria a medida. Esta tirada do "bom povo", já foi lançada pelo grande chefe no dia do resultado eleitoral. O grunho já não tem a mínima vergonha de usar expressões de outrora. Ditos do passado sinistro. A baboseira sempre foi livre. Ser contra tudo e contra todos sempre foi uma sintomática expressão da mais básica estupidez.
VELHOS FASCISTAS | Percebemos também que comunidades específicas votaram maioritariamente nestes energúmenos. Regiões outrora sociologicamente de esquerda são agora de direita. Como é isto possível? Tenho a minha opinião sobre este assunto. É esta: tribalismo regional. O regionalismo exacerbado é como o nacionalismo reaccionário. Quem não é por nós é contra nós. O que é nosso é bom e tem outro "sabor". A ideia de que "quem vem de fora agride-nos", transforma-se em lei popular. Devemos ficar todos "cá dentro" e "orgulhosamente sós". Onde é que já ouvimos isto?! Salazar. O ditador continua a ser citado. Até ganhou há uns anos um concurso televisivo. O fascista de serviço, Jaime Nogueira Pinto, fez a sua defesa. Esse mesmo fascista também já defendeu o actual chefe dos novos fascistas. Esta ideia de que nós — eles — somos os melhores já foi manifestada muito recentemente por muitos dos dirigentes do partido neofascista. O tribalismo tolhe-nos. O cosmopolitismo faz-nos crescer. Esta gente que votou nos cinquenta energúmenos que vão atropelar atitudes e decisões na Assembleia da República não quer sair do seu raquítico ser. É a apologia da pequenez. A mediania já é grande ousadia.
O APELO DA SELVA | Não, não vou aqui fazer o apelo da natureza tão bem definido no livro de Jack London. Mas há nas atitudes dos novos fascistas — e provavelmente dos velhos — um apelo aos resistentes autócnones contra os novos invasores. A ideia é diabolizar o que não é nosso. Fragilizar o outro. Para que depois seja devorado ou banido. Os neofascistas adoram polícias. Polícias com licença para matar. O chefe fascista não se cansa de fazer apelos às forças da "ordem". Até parece proposta de uma "nova ordem" a impulsionar. Mas também existe o risco de a direita mais civilizada enveredar por esse caminho. A direita civilizada deixa-se arrastar para o lamaçal da pocilga onde chafurdam os fascistas, não percebendo que, com o crescimento dos energúmenos, também corre o risco de ser devorada.
CONCLUSÃO EXTREMAMENTE PESSIMISTA | Estamos tramados. Os eleitores do partido fascista também, mas nunca o perceberão. São imbecis em delírio justicialista. Os ajustadores fascistas, agora profissionais pagos pela democracia, só respondem aos seus donos. Os grandes capitalistas saudosistas do passado financiam a trupe de imbecis. Em primeira leitura não se percebe porquê - eles cresceram tanto em democracia. Mas percebe-se, lá está, é a ruindade a inundar-lhes a cabecita. Querem voltar a mandar politicamente. Gente má é assim. Muitos dos agora eleitos foram ali parar sem saber bem como. Vão andar por ali a cirandar sem saber o que fazer. Vamos ter de continuar a reagir. Esperemos que este crescimento pornográfico fique por aqui. Ou fique lá para trás, para o lugar das trevas, de onde estes grunhos nunca deveriam ter saído. Vamos ter de fazer política. Eles são contra a política. Não sabem o que isso é. Só sabem ser do contra. Isso joga contra eles. Vamos derrotá-los. Não passarão. facebook