domingo, 25 de fevereiro de 2024

Desenhar os sons

José Brandão "explica" a capa de "Coro dos Tribunais", na exposição sobre as capas dos discos de José Afonso, na Casa da Cultura - Setúbal.
José Brandão "explica" a capa de "Coro dos Tribunais", na exposição sobre as capas dos discos de José Afonso, na Casa da Cultura - Setúbal.
Uma exposição de desenhos de José Brandão povoou a galeria da
Casa da Avenidaem Novembro de 2021. Exposição integrada na Festa da Ilustração - Setúbaldesse ano, e por altura do lançamento do álbum "Coro dos Tribunais" de José Afonso. Celebrava-se assim a reedição do trabalho de José Afonso e aproveitava-se para falar sobre a vertente estética visual que envolve o seu trabalho musical. José Brandão esteve presente em conversa. Foi bom conversar com ele e perceber como surgiu o convite para fazer a capa deste disco único musical e poeticamente. Ana Nogueira animou a conversa interpretando por palavras os desenhos de Brandão. O brilhante texto que se segue, e que foi inserindo no Jornal da Festa da Ilustração, foi "desenhado" por Ana Nogueira:

JOSÉ BRANDÃO, ILUSTRADOR. PENSAR ATRAVÉS DO DESENHO
Por que razão é necessário fazer um Desenho? Sobre isto precisamos escrevê-lo.
O Desenho enquanto expressão, é também ideia. O Desenho ideia, estruturador do pensamento, construtor imagético de significados sobre o mundo (nós nele). Os sentidos fornecem-nos dados transformados em imagens que se interrelacionam. O Desenho ideia arquiteta a expressão visível e a experiência do fazer contribui para essa arquitetura. Desenho ideia e Desenho enquanto expressão são partes constituintes do trabalho gráfico de José Brandão.
O Desenho enquanto expressão é ideia matérica em pontos, linhas ou manchas e resulta de uma ação do corpo para representar o nosso entendimento sobre uma realidade imaginária ou natural/real. O Desenho acontece pelo gesto que pensa sobre o registo que está a desenhar-se, encontrando empiricamente os caminhos, mas colaborando na representação intencional do(a) autor(a); é uma interação dialógica (comunicação) entre o(a) ilustrador(a) e o mundo. Ao produzir Desenho há uma aprendizagem sobre o objeto, de natureza interpretativa, logo subjetiva.
Desenhar é um ato sinalizado de conhecimento. Este ato de desenhar, verbo cujo étimo, de origem latina, é designare: o Desenho desígnio.
O Desenho recorre a um “filtro interpretativo”, expressão de Massironi (2010:17), para tornar reconhecível as representações expressivas do pensamento. Parry J. avisou-nos sobre a contínua ‘erupção’ do subjetivo na comunicação, no(a) autor(a) e no(a) fruidor(a). O Desenho faz-se suficientemente reconhecível para se afirmar comunicável. A sua força interventiva (por que comunicativa), desperta por vezes violência. Morre-se por desenhar.
Se o Desenho comunica uma realidade interpretada, implica a exclusão de elementos e a relevância de outros. Exige uma escolha. Diferentemente da linguagem verbal – que possui uma gramática mais estável -, a linguagem gráfico-desenhativa precisa de reinventar-se em cada Desenho, de modo a encontrar uma estrutura organizadora única que comunique com intencionalidade.
Ainda persistem equívocos sobre o Desenho. Não é mais fácil ou mais difícil desenhar do que escrever, é diferente.
O Desenho de José Brandão sendo interpretação é uma tomada de posição, “uma forma de pensamento” (Bártolo, J.:2014): Desenho ideia e Desenho matéria.
É preciso sempre fazer um Desenho. [Ana Nogueira]

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