sábado, 28 de outubro de 2023

Receituário


PRIMEIRO DIA | É hoje que vamos estar com Sérgio Godinho, na Galeria de exposições temporárias do Museu de Setúbal/Convento de Jesus. Motivo: ilustrar por palavras as ilustrações que foram feitas para as canções de Sérgio. A exposição está no Museu, integrada na Festa da Ilustração - Setúbal que continua até ao fim de novembro.
Vamos estar com Sérgio e com os ilustradores que fizeram este acrescento de mais cinco interpretações visuais de músicas do poeta/cantor. Para a publicação que documenta este encontro escrevi o texto que de seguida partilho. Quem quiser a publicação apareça logo para a conversa.
BEM-VINDOS TODOS AO SALÃO DE FESTAS | Sérgio Godinho correu mundo. E o mundo nunca mais saiu dele. Olha para o lado, retém uma frase de alguém que inadvertidamente a lançou para o ar sem imaginar que o seu dito pode passar a lido e cantado, integrado numa canção. Frases simples que se tornam icónicas. Tornadas literatura. A simplicidade dá tanto trabalho.
“A liberdade está a passar por aqui”,
“A vida é feita de pequenos nadas”,
“Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”
“Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão, habitação, saúde, educação (...)”
O escritor de canções observa os ambientes que o rodeiam como quem respira, e transforma essa respiração em letras de canções que nos esclarecem humores, amores, e mais uns odores. Esta capacidade de perceber a vontade das pessoas faz-nos perceber que temos neste homem um poeta do quotidiano. José Afonso é sua referência maior. Sérgio era considerado por José Afonso seu par. Promovia os seus discos nos seus concertos. Estiveram juntos em projectos musicais e políticos. José Afonso foi renovador inicial da música feita em Portugal. É Sérgio que o reconhece e agradece.
“Foi graças ao Zeca que comecei a perceber que se podia fazer outra música em Portugal”. Não é portanto nenhuma surpresa a satisfação visual que estas palavras e estas músicas sugerem. Não foi difícil pôr os mais destacados ilustradores a trabalhar em volta destas canções. Imagino Sérgio Godinho e João Paulo Cotrim, assistidos por um prolongado almoço, no alvoroço de ideias que o projecto inicial motivou. Não duvido de que foi esse almoço motivo de regalado entusiasmo.
Para esta nova fase da ideia, convocámos cinco novos valores da ilustração: André Ruivo, Gonçalo Duarte, Inês Viegas Oliveira, Mantraste e Martina Manyà.
A nova ideia é transportarem para novas illustrações cinco novas canções de Sérgio. Não foi dificil convencê-los. Aos anteriores participantes juntam-se agora estes cinco, com as suas interpretações destas novas canções. Estas ilustrações celebram a música que nos desperta e aperfeiçoa os sentidos. Poetas cantores como José Afonso, Sérgio e Fausto combateram o fascismo e a música serôdia. Hoje é preciso fazer um desenho. Hoje, essa música serôdia, misógina, ordinária mesmo, ressurge em doses nauseabundas. O fenómeno é escandaloso para quem se recusa a admitir a pretensa qualidade e decência de tão mau agoiro. Estas ilustrações combatem esses sons frustes e tristes.
É preciso apoiar a música nova. Sempre. É como o 25 de Abril.
Bem-vindos todos, ao salão de festas.