LUÍS SANTOS | Começo a estar farto disto. Tem de ser mesmo assim? Os amigos têm de partir assim tão cedo? Bem sei que isto de estar vivo não dura sempre, mas é sempre duro assistir a estes fins. O Luís (Dupont) foi meu amigo desde o tempo em que fazíamos revoluções todos os dias (era mais todas as noites) nos sítios da cidade que permitiam convívios até de madrugada. O Luís tinha o privilégio de poder usar o carro do pai, um lindíssimo Ford amarelo com capota preta, que nos permitia percursos entre esses lugares de culto instantâneo. Nos primeiros tempos íamos do Tamar ao bar Caracol, e muitas vezes "acabávamos" no Alex (bar de encerramento muito tardio mesmo ali no Quebedo). Mais tarde abriu o Fora de Moda e o carro foi dispensado. Estava tudo ali mais à mão. A mão que segura o copo, é claro. Mas sem excessos. O que nós queríamos mesmo era discutir a situação política. Fazíamos autênticas análises politico-militares. Também falávamos de música, teatro, vida. O Luís ainda experimentou os estrados teatrais: na peça As Duas Caras do Patrão, encenada pelo Rui Murta para o grupo de teatro do Círculo Cultural, desempenhou a antipática figura do patrão. Eu fiz um desenho para enquadrar aquilo cenograficamente. Foi tão divertido. Divertiamo-nos e fazíamos o que achávamos que devia de ser feito. Queríamos que tudo crescesse à nossa volta mais do que nós. Não tínhamos peneiras nem necessidade de nos armarmos ao pingarelho progressista. Fazíamos tudo com autenticidade e honestidade intelectual. O Luís foi um ser humano excepcional. Discreto, honesto, amigo dos amigos. Eu gostava muito do Dupont. Esta morte dói muito.
[Tenho fotografias em que apareço com o Luis e outros amigos nas incursões nocturnas, mas utilizo para este cartaz esta imagem em que o Luis está com a Fernanda, sua mulher e amor da sua vida. Um beijo para ela].