segunda-feira, 19 de junho de 2023

Ai, as palavras...


Em Abril estive em Montpellier com esta exposição que parte de palavras de José Afonso para o mundo. Muito brevemente a mostra será instalada em outros lugares (Cá dentro e lá fora. Depois aviso), com desenvolvimentos que decorrem desta experiência em Montpellier. Calado é que não quero ficar. Mas hoje venho aqui mostrar o texto que a Ana Nogueira, notável artista, fez o favor de compôr para esta minha exposição e tão bem "ilustrou" o que estava ali mesmo à
vista mas não estávamos a ver. Muito Obrigado, Ana.

A PALAVRA PRECISA DE TERNURA
José Afonso. Obra Poética
O QUE PROPONHO, PORTANTO, É SIMPLES: NADA MAIS DO QUE PENSAR NO QUE ESTAMOS A FAZER.
Hannah Arendt. A Condição Humana
O pensamento torna-se imagem com as palavras. Elas têm o sentido da experiência, senão, para que as queremos? O discurso dentro do discurso é perigoso, esvazia as palavras da sua origem térrea, perfeito por ser puramente artifício, atropela a razão orgânica do pensamento: o discurso dentro do discurso é mentiroso e convincente.
José Teófilo Duarte preserva a condição fenomenológica das palavras através do processo. A ação sobre a matéria, que a transforma, é equivalente ao texto lido, sonhado, mas tornado visível. Por esta via, a existencial, está assegurada a vida das palavras, âncora entre a imaginação e a realidade. Até ao resultado final da matéria transformada, José Teófilo desconhece a sua forma e é fundamental não saber a priori, pois então para que serviria agir caso soubesse? O exercício do fazer põe à prova o texto pensado, ensaia a sua coerência com o espaço/tempo, ele percebe se é autêntico. Uma vez tornado claro, e se for preciso, exclui, recomeça, faz de novo, apura, agora com o conhecimento que a vivência lhe deu. Nas telas, o discurso está fora do discurso, exposto revela a sua inteira razão, a razão de Teófilo.
As palavras que compõem o discurso para se tornarem existência obrigam a um processo difícil por parte do artista quando se encontra no momento anterior à sua mate- rialização. A empreitada tem que ser individual, ou seja, a decisão sobre que caminhos tomar é do artista. Está acompanhado de todas as palavras que vivenciou, também elas já obra sua. Dubuffet opõe o carácter individual ao caráter social da arte, previne-se assim a obra impostora com a independência destes poderes. A criação artística de José Teófilo situa-se na manutenção deste confronto, um contraste que torna as partes vívidas.
Depois de estar no turbilhão do pensamento em ação avança no sentido da transformação, porque não há outro remédio, em diálogo metafísico, em duelo solitá(dá)rio. Há um compromisso com os outros, o da independência, se for preciso na transgressão inteligível da ordem, conflituando com a deferência. [Ana Nogueira]