terça-feira, 14 de março de 2023

O Jorge

Lembro-me do Jorge Silva Melo desde o tempo em que a minha vontade de ver, ler, ouvir  e dizer coisas encetou a curiosidade pelos estrados da representação teatral. Ou seja: pela interpretação da vida. 

Jorge Silva Melo e Luís Miguel Cintra estavam então a renovar os movimentos dos corpos e a maneira de representar os textos nos estrados. Mudaram o teatro e a maneira de o olhar. Inovaram de tal maneira que tudo era estranhamente cativante. Mas depressa nos habituámos àquela nova respiração. Era tudo tão novo, tão diferente do que se fazia até ali. Parecia que depois daquilo os espectáculos manhosos nunca mais espreitariam pelas aberturas dos panos dos palcos. Aí enganámo-nos. Ainda hoje a parvoíce alastra. 

Fiz quilómetros para perseguir o trabalho de companhias como a Cornucópia, a Barraca, o Seiva Trupe, o TEP, a Comuna, os Artistas Unidos e outras encenações tão fora da norma que nos deixavam com a poderosa sensação de estarmos num tempo inicial. De sermos alguém. E éramos. E somos. Crescemos culturalmente graças a gente da cena teatral, musical e literária como Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra, João Mota, Maria do Céu Guerra, Bernardo Santareno, João Guedes, Estrela Novais, António Reis, Júlio Cardoso, José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho, Lia Gama, José Mário Branco, Luís Cília, Cristina Reis, Helder Costa, Filipe La Féria (na Casa da Comédia, muito antes das pimbalhices de agora), Manuela de Freitas, Irene Cruz, João Lourenço, João Brites, Mário Viegas... Enfim, esqueço-me de nomes, óbvio, mas estes são os que me assistem a memória ao correr do teclado.

Muito mais tarde estreitei amizade com o Jorge Silva Melo, quando pusemos em prática o seu projecto EM VOZ ALTA, onde tlevou à Casa da Cultura - Setúbal, actores de evidente gabarito em recitação dos nossos maiores poetas. Lembro-me dos jantares antes das sessões, no restaurante que servia uma tortilha que tanto lhe agradava. Eu também gostava da tortilha. Que bem me sabia o manjar. Que bom foi ter sido amigo do Jorge. Saudades.

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