COM AS MINHAS TAMANQUINHAS | É o trabalho mais directamente político de José Afonso. Poderia estar situado no tempo, mas isso não existe quando se fala de José Afonso. A genialidade do autor puxa para os dias de hoje uma memória que se torna História. Também se tornou história —pequena história — a decisão de um jornalista considerar este o pior álbum do ano em que foi lançado. Do jornalista — que até partiu o disco em emissão radiofónica — já ninguém se lembra. Nem do jornalista nem dos outros discos lançados nesse ano. Alguém quer saber do que fez Marco Paulo, por exemplo — que fez "carreira" com um par de canções — naquele ano? Claro que os Tonys Carreiras, os Toys, os Emanueis e outros cruéis dizimadores das atitudes sonoras e literárias não andavam ainda pelo território, ou ninguém lhes dava importância, mas é claro que para o miserável jornalista de que ninguém se lembra, toda a trampa sonora produzida era audível ao invés deste "Com as minhas tamanquinhas". Este é de facto o trabalho de maior intervenção política de José Afonso. Foi aqui denunciado um fotógrafo sem escrúpulos que usou uma mulher em situação vulnerável para satisfazer os seus intentos mediáticos. Uma crónica de um grande Jornalista — Rogério Rodrigues — despertou José Afonso para a cena. Resultou da leitura da crónica a belíssima canção "Teresa Torga", que se tornou um hino/apelo à dignidade do ser humano. Mas também a denúncia de figuras e figurões da cena política e social de então foi marcante neste trabalho.
A reedição deste disco foi apresentada em finais de novembro último na Casa da Cultura, Setúbal, local onde outrora funcionou o Círculo Cultural, colectividade antifascista fundada entre outros por José Afonso. Durante a apresentação esteve patente uma exposição do autor da capa do disco: o meu saudoso e querido amigo João de Azevedo.
O LP em vinil não esteve pronto a tempo de ser apresentado aí. Contentámo-nos-nos com o cd e com a sua audição nas plataformas musicais. Agora já está à venda e recomenda-se. Nada aqui é datado, tudo é fresco que nem uma alface. Os traidores, os oportunistas, os pulhas de toda a espécie continuam aí e não se recomendam, tal como sugeria José Afonso neste disco lançado em 1975. É ouvi-lo. Faz bem.