Eu percebo: alguém que andou mais de sete décadas a fazer aquelas figuras tem de ser recordado. Percebo que o desgosto se instale nos lares de quem não quer viver sem rei nem roque. Ou seja: é sempre melhor ter rei, especialmente quando não conta para nada. Uma socialite simpática e reservada que não fez ondas de maneira a provocar tempestades. A rainha proclamou o que os governos decidiram. Sem sentido crítico e sem contestação. Até os discursos de "início de temporada" são escritos pelos governos. A soberana foi assim uma espécie de deusa na Terra que deixou os seus devotos entregues aos seus próprios erros.
O individuo que agora substitui a progenitora — é assim que se faz democraticamente nas monarquias — é um opinador de respeito. Diz tudo o que lha passa pela cabeça. Por exemplo: sabemos o que ele pensa — mal e porcamente — sobre arte e arquitectura contemporâneas. Pensa mal e porcamente. Também sabemos que não se importa de ser ecologista desde que concordemos com a sua ecologia. Será que agora vai continuar a verberar sobre tudo o que mexe com o mesmo afinco? Ou será que vai praticar o tão desejado cinismo monárquico para permanecer naquele lugar que provoca tanto sacrifício pessoal?
Prefiro chefes de Estado eleitos, como é óbvio. Não consigo perceber que orgulho se pode ter num representante decidido por famílias com passados sinistros, ungidos por um deus que não comunicou a decisão. E estou sem paciência para tanto elogio — não tinha percebido que no Portugal republicano havia tanto especialista em monarquias socialites — a aspectos comportamentais e a "divinos carácteres" que nada dizem sobre as pessoas em causa ou até, muitas vezes, revelam graves problemas de carácter.
Que a senhora descanse em paz, e que o seu sucessor melhore na exibição da parvoíce, é o que eu desejo com muita sinceridade.