quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Setembro


Gosto de setembro. É um mês terrível e fascinante. O mal passou por setembro muitas vezes, mas é nesta altura que tudo recomeça. Chamam a este período "rentrée". Gosto de setembro, repito. Agarro-me ao trabalho com unhas e dentes. E relembro o mal com a distância possível. Fui buscar o primeiro texto que escrevi no blogue depois do atentado em Nova Iorque. Eu estava lá. Nos próximos dias contarei as minhas "estórias de Nova Iorque". Entretanto fiquem com esta lembrança escrita três anos depois do atentado, se estiverem para aí virados:

Já passou algum tempo sobre o ataque às torres gémeas em Nova Iorque. Foi há três anos.
Quando tudo aconteceu eu estava lá. Passeava pela quinta avenida. O voo para Portugal partia nesse dia a meio da tarde. De um momento para o outro tudo se alterou. O regresso só aconteceu cinco dias depois. Entretanto, tudo se passou com a normalidade possível. Visitei locais que já não tinha intenção de visitar, participei em vigílias em homenagem às vítimas do atentado.
O hotel era perto de Times Square. E Times Square era o local onde toda a gente se dirigia para saber novidades. Era ali que nos sentíamos informados. Quando cheguei a Portugal fui convocado para um programa de televisão onde se evocava o ataque, entre "recitais" de cantores indescritíveis e alegres curiosidades. Pelo meio a entrevistadora pedia "sangue". As televisões apreciam a desgraça. Dizem que traz audiências. É claro que me arrependi da minha participação no programa. Mas o que lá vai, lá vai.
Hoje, nas notícias das oito na mesma estação televisiva, um português que também se encontrava na "Big Aplle" ao tempo do atentado, dava o seu testemunho. Entre muitas vulgaridades e até tiradas de humor, referiu que nos dias seguintes passeava por uma Times Square deserta, ele os filhos e alguns "turistas malucos". É disto que as televisões gostam. É certo que isto nunca aconteceu, mas imaginar a cidade que não dorme, com a sua praça mais frequentada sem vivalma, é tentador. Não basta o drama, é preciso ampliar a dor para que se torne credível. Foi um grande momento de televisão, o que este senhor nos proporcionou.
O melhor mesmo é desligar o aparelho. Não quero ouvir mais relatos de talentosos protagonistas da história. A minha memória do acontecimento é suficiente. We will never forget.
[a fotografia foi tirada na véspera, dia 10]