terça-feira, 7 de setembro de 2021




A entrada da extrema-direita no parlamento alertou-nos para a possibilidade de atropelos à democracia e ao fruir da liberdade e da cultura. O discurso do chefe do gang agora instalado na Assembleia da República utiliza as premissas da civilização democrática. A utilização da palavra liberdade como reposição da ordem é metáfora estafada no seu discurso. E nós sabemos bem de que ordem ele fala. 

Todos — os intelectualmente curiosos e defensores da liberdade real e da democracia efectiva — ficámos incomodados com o discurso troglodita da criatura. Mas o traste teve votos. Há quem viva sem dar por nada, como disse José Afonso numa música. Tiago Rodrigues também ficou incomodado com a apologia da estupidez. Tratou de fazer o que sabe fazer melhor: Teatro. E como também pensa bem, escreveu e encenou uma peça que será um marco no Teatro Português. Catarina e a Beleza de Matar Fascistas é um momento de teatro sublime porque associa bom texto e boa representação a uma impetuosa reacção do público. O assassinato de Catarina Eufémia pelo militar fascista da GNR Carrajola foi motivo para o combate em palco. Somos todos Catarina. Todos podemos ser vítimas da brutalidade justicialista primária. Ninguém fica indiferente ao lobo fascista com pele de cordeiro. Esta peça espevita-nos a inteligência emocional e provoca-nos em voz alta a revolta e rejeição do modelo neo-liberal do "tudo a toque de caixa" aplicado pelo infelizmente antigo primeiro-ministro Passos Coelho e tentado agora aos gritos pelo seu ex-colega de partido Ventura. Não esqueçamos também a opinião de Rui Rio — um palerma com ânsias de chegar a primeiro-ministro — sobre o regime de Salazar: não era fascista, acha. Nunca existiu em Portugal fascismo nenhum, disse.
Foi a rejeição do asco que motivou Tiago Rodrigues. Há uma gente asquerosa que quer o regresso ao passado. Um passado com vestes de futuro, como se fosse possível antecipar repressão ao progresso chamando a isso justiça e ajustamento civilizacional. Esta fabulosa peça de teatro fez-nos gritar bem alto FASCISMO NUNCA MAIS. Sentimos ali o arrepio do discurso e a necessidade de estarmos alerta. Não passarão, dizia a inscrição na toalha da mesa. Toalha/Cartaz que dita a nossa revolta perante a ameaça. FASCISMO NUNCA MAIS. Mesmo.

texto e encenação Tiago Rodrigues
com António Fonseca, Beatriz Maia, Isabel Abreu, Marco Mendonça, Pedro Gil, Romeu Costa, Rui M. Silva, Sara Barros Leitão
cenografia F. Ribeiro
figurinos José António Tenente
desenho de luz Nuno Meira
sonoplastia, desenho de som e música original Pedro Costa
coralidade e arranjos vocais João Henriques
voz off  Cláudio Castro, Nadezhda Bocharova, Paula Mora, Pedro Moldão
apoio ao movimento Sofia Dias, Vítor Roriz
apoio em luta e armas David Chan Cordeiro
assistência de encenação Margarida Bak Gordon
direção de cena Carlos Freitas
ponto Cristina Vidal
tradução Daniel Hahn (inglês), Thomas Resendes (francês)
legendagem Rita Mendes
produção executiva Joana Costa Santos, Rita Forjaz
produção Teatro Nacional D. Maria II