sexta-feira, 28 de maio de 2021

Com as minhas tamanquinhas


DA INTOLERÂNCIA E DO RECATO | Nos últimos dias têm passado por mim, de raspão, insultos vários. Uns acusam-me de ser elitista, arrogante, intolerante. Acusação definitiva e sem defesa. Outros incluem-me de chofre numa lista privada de animais para abate. Avisam-me amigos que até foi derramado pelas valas abjectas das chamadas redes sociais um texto que me faz acusações de carácter. 

Há muito pouco tempo, numa reunião de trabalho onde se discutia o gosto dos outros, dos que sofrem com a aplicação das regras comuns que agridem as suas, um responsável político informava-me solenemente que muitos desses outros gostariam de me ver pendurado pelo pescoço na estátua de Bocage, erigida em Setúbal, na praça que assinala a existência do poeta. Confesso que prefiro Pessoa, mas Bocage também serve perfeitamente. Nunca quis ser herói nem vilão. Não tenho orgulhos e não me sobreponho a ninguém. Nada me envaidece. Só frequento e promovo o que me alimenta os sentidos. Detesto exibições de ignorância e atentados à dignidade das pessoas. A apologia da normalidade corriqueira, sempre polvilhada de muita ignorância e gosto de duvidosa proveniência, não me incomoda. Repugna-me, é certo, mas resvala de imediato para o esgoto de onde brota. A normalidade hipócrita e cínica não é fruta do meu cesto. Aceito, portanto — digo-o com alguma emoção até —, todos esses elogios que me são dirigidos. Fazem-me sentir vivo. Com atitudes. Com carácter.

Muito obrigado, caríssimos adversários. 

Imagem: Capa do álbum de José Afonso COM AS MINHAS TAMANQUINHAS, com ilustração de João de Azevedo

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