sábado, 24 de abril de 2021

O meu 25 de Abril


Ergue-te ó Sol de Verão

Somos nós os teus cantores

Da matinal canção

Ouvem-se já os rumores

Ouvem-se já os clamores

Ouvem-se já os tambores

José Afonso


A data que se assinala este domingo foi decisiva na vida de muitos de nós. Tudo mudou. Hoje não se imagina o que é viver em ditadura, longe do conhecimento, da liberdade, do conforto democrático. 

Para mim o 25 de Abril é José Afonso. A descoberta da sua obra ditou-me um gosto e um reforço da ideia que tinha de cidadania. Conheci o Zeca logo depois desta data. Tudo confirmado. Um homem como ele é uma dádiva. Foi corajoso. Possuidor de uma extrema cultura, combateu o fascismo com as armas que tinha na mão: a música, a literatura, a intervenção cívica. Rejeitou a mediocridade do nacional-cançonetismo, expressão criada por João Paulo guerra para definir o gosto duvidoso da música de feira, festivaleira de trazer por casa, e dos fadunchos marialvas. "Inventou" outra música. Foi um combate difícil, que não permitiu a permanência no país de muitos dos nossos cantores. A juventude mais esclarecida deixou-se influenciar por estes novos arautos do conhecimento alternativo. 

Em finais de março de 1974, o Coliseu dos Recreios recebeu o Encontro da Canção Portuguesa. Nas imagens que este cartaz reproduz reconhecem-se alguns dos mais influentes cantautores do momento. São os pioneiros no combate à chunguice sonora: José Afonso, José Barata-Moura, Fausto, José Jorge Letria, Vitorino, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire. Sérgio Godinho e José Mário Branco não estavam no país. José Afonso e Adriano Correia de Oliveira foram proibidos de entrar em palco, mas depois de uma solicitação da organização lá foi possível participarem. Diz quem lá esteve que foi emocionante. 

A canção senha/confirmação escolhida pelos militares para a madrugada do golpe tinha de ser de José Afonso, é claro. Foi sugerida Venham Mais Cinco, mas Almada Contreiras, militar envolvido, resolveu usar Grândola, vila morena, por ter percebido a emotividade que envolveu a canção interpretada por José Afonso. Almada Contreiras contou isto em livro por mim editado na Estuário — Militares e Política: o 25 de Abril, de Luisa Tiago de Oliveira —, e confirmou e desenvolveu a ideia em sessão Muito Cá de Casa, na Casa da Cultura, Setúbal.

Passados estes 47 anos sobre a data que nos permitiu abraçar o mundo, é aos nossos cantores que agradeço. Foram eles que me fizeram ter orgulho na música feita em Portugal. E, como eles, continuo a desprezar a musicalidade da treta que ainda se pratica e encoraja neste país de parolos costumes. É um combate. Venceremos, sempre. Quem perde é quem se cala perante a eficácia da cultura dos incultos, como dizia Natália Correia. Viva a liberdade. 25 de Abril, sempre.

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