Pela primeira vez na vida assisti a uma peça de teatro às 11 da manhã. Foi ontem, no Fórum Municipal Luísa Todi - Setúbal. Experiência agradável, onde a qualidade da antiga normalidade não ficou aqui nada mal representada.
A peça tem por título A Casa de Emília, o texto é de Luisa Monteiro, a encenação de José Maria Dias, a música de Jorge Salgueiro, a coreografia de Iolanda Rodrigues e usa a cara e corpo de actores do Teatro Estúdio Fontenova e do Coro Setúbal Voz. A história passa-se em Setúbal, onde as operárias conserveiras eram as protagonistas daquele tempo. Tempos difíceis. Aquelas mulheres corriam para o trabalho sempre que a chamada era feita por sirenes accionadas pelas fábricas de conserva de peixe então existentes na cidade. Fosse a que hora fosse. Trabalho quase escravo que reunia como recompensa de horas a fio de labuta uns escassos patacos que mal chegavam para a alimentação das famílias. Tempo que alguns referem como exemplo. Tempo de miséria e ingratidão. Tempo da arbitrariedade. Do "quero, posso e mando". O texto convoca a fantasia para nos fazer cair na realidade. É excelente, este texto. Graziela Dias, a Emília que aqui representa as conserveiras que viveram nas fábricas os seus sofrimentos, sonhos e até delírios, vive agora em palco a intensidade desses contextos. Que papelão, o de Graziela. A música de Jorge Salgueiro, em registo orquestral minimalista (às vezes até parece que Philip Glass anda ali por detrás das cortinas), transporta-nos para a ousadia de querermos ser felizes para além das adversidades. Tão bonita aquela música e tão penetrantes aquelas palavras. Se adicionarmos a tudo isto a excelente interpretação de todos os actores e cantores em palco, concluímos que este pedaço de manhã se transformou num tempo memorável nestes tempos de tanto mal. Tempos que se combatem revelando que outros males já aconteceram às pessoas. Não esquecer é importante. É importante percebermos que houve quem tivesse vivido tempos piores. Com pandemias e tudo. Ainda bem que ainda há teatro. Bom teatro. Parabéns.
A CASA DE EMÍLIA | Texto: Luísa Monteiro | Encenação: José Maria Dias | Interpretação: Eunice Correia, Fábio Nóbrega Vaz, Graziela Dias, Sara Túbio Costa, Coro - Setúbal Voz, Eduardo Dias (vídeo) e José Maria Dias (voz off) | Composição Musical: Jorge Salgueiro | Coreografia: Iolanda Rodrigues | Espaço Cénico e Desenho de Luz: José Maria Dias | Sonoplastia: Emídio Buchinho | Figurinos: Maria Luís | Assistência de Encenação, Vídeo, Fotografia e Imagem: Leonardo Silva | Investigação e Entrevistas: Jaime Pinho, João Santos, Vanessa Amorim | Operação Técnica: Leonardo Silva | Design Gráfico: Flávia Rodrigues Piątkiewicz | Produção Executiva: Patrícia Pereira Paixão | Captação Vídeo do Espectáculo: Bere Cruz, Hugo Andrade e Inês Monteiro Pires | Fotografia: Helena Tomás | Confecção do Figurino (Urso): Rosário Balbi e Luísa Nogueira | Confecção do Brinquedo (Urso de lata): Simão Feito à Mão | Arranjos de Guarda-roupa: Gertrudes Félix.