António Guerreiro, no último Ípsilon introduzido no Público, traçou o trajecto da invenção "marxismo cultural". Excelente texto — como sempre — onde trajectos e razões são abordados e desmontados. Também por ali se encontram notas para reflexão. Modestamente, acrescento algumas.
Poderíamos simplificar: o marxismo cultural é uma invenção dos fascistas sem cultura. Mas esta seria a saída básica, sem razões para mais abordagens.A expressão "marxismo cultural" foi inventada para o combate a todas as expressões de emancipação que despontaram no século vinte: Direito dos mais fracos ao ensino. Emancipação feminina. Liberdade de escolha entre ciência e religião, ou reconhecer a coexistência sem complexos. Reconhecimento de géneros para além dos ditados pelas convenções conservadoras. Direito ao desejo sem complexos de género. Direito a decidirmos o que fazer com o nosso corpo. Possibilidade de criação de família por pessoas do mesmo sexo. Liberdade de criação cultural e de sua fruição sem distinções de condição social. Enfim, liberdade e oportunidades para todos.
Estas ideias cresceram como cogumelos e tornaram-se drogas duras. Os adeptos do "bom-senso" e do "bom-gosto" nunca aceitaram tamanha agressão. Esconderam-se nos seus casulos e fizeram tudo para serem eles, e só eles, os conhecedores e naturais frequentadores dos territórios da excelência e das boas práticas, ungidos pelos deuses que criaram todas as coisas que lhes são úteis.
A expressão que culpa Marx de tudo o que é mau nasceu lá para os lados das américas, e espalhou-se por todo o lado com ganas de combate aos ateus e pelo restabelecimento da fé cristã como orientação única de vida, e em guerra com o crescimento do islamismo que grassa por todo o mundo. Claro que há nuances nas atitudes da direita. Nem todos os conservadores nos mandam para a Coreia, Cuba ou Venezuela ao vislumbre da mínima discordância, mas os adeptos da invenção "marxismo cultural", sim. Muitas vezes arrastam para este sítio mal frequentado gente que nunca fumou o tabaco marxista, mas que têm interesses culturais com cheiros nauseabundos. É exterminá-los, antes que fedam. O "marxismo cultural" é vírus que agride o conceito de família e dos bons costumes. O combate a este vírus tornou-se prioridade para gente como Trump e Bolsonaro. Os seus males não se comparam aos do Covid-19, coisa ligeira e passageira. A extrema-direita americana não se importa de ter um representante caricato. E no Brasil não importa que o líder seja um imbecil encartado. O que importa é o combate aos que querem reconhecimentos e direitos. Contra o "marxismo cultural" não existe um "fascismo cultural". A vida não é assim tão simples. Nem se pode concluir que a ignorância dá menos trabalho. As razões são políticas. Há uma direita que quer tudo como sempre foi. Novos nortes são uma grande barafunda. Deus nos livre desses males.