quinta-feira, 9 de abril de 2020

A QUEDA | O título é de Camus. A Queda de Camus é um livro. Um livro fora do comum. Genial. Mas a queda de que se fala agora prende-se com as actividades de muitos de nós. Os artistas dos palcos e de todas as áreas performativas estão de rastos. A actividade parou por completo. Os esforços online não adiantam nada à sobrevivência de gente que trabalhou no duro e com entusiasmo para nosso desfrute. Mas hoje venho aqui falar de outro sector. Tenho entre os meus melhores amigos editores, livreiros, escritores, tradutores, impressores e gente de muitos outros ofícios ligados aos livros. As livrarias estão fechadas. As livrarias são as montras desta actividade que, já mesmo muito antes da incursão deste vírus que lhes é alheio, não andavam lá muito bem. Com este maldito atropelo a coisa foi de mal a pior. Um desastre. A FNAC pôs-se a milhas do assunto. A venda online parece estar reservada às multinacionais. A Amazon continua a encher os bolsos do homem mais rico do mundo. Pois é: quem se lixa são as livrarias independentes que corajosamente investem em ser lugares com livreiros lá dentro. Gente que tem este negócio porque gosta de ter livros em volta e de envolver-se neles. Apresentá-los às pessoas. Está tudo nos livros. Está tudo na literatura. Até este vírus manhoso que nos devora a vida. São os livros que vão contar esta história no futuro. Não são as tretas que muitos põem a circular nas chamadas redes sociais que às vezes de sociais nada têm.
É nestes meus amigos que penso neste momento. Incluo-me na cena, já que parte substancial da minha actividade anda por estes trilhos. Já todos percebemos que o que aí vem não é lá muito bem vindo. Os apoios do Estado não serão solução para tudo e a reabertura não vai ser fácil. Voltaremos à vida, é certo. Mas não vai ser fácil. Temos pela frente vários combates. Temos que exigir políticas de apoio ao sector promovendo a leitura como maneira basilar de educação e cultura. Temos que combater a extrema-direita agora representada no parlamento pelo fascista da Cofina. A extrema-direita que só pensa em prender, censurar e deseducar, mentido descaradamente, e apelando aos instintos básicos dos incautos. É o conhecimento que combate a ignorância. A cultura terá de estar na primeira linha pela defesa do sistema democrático. Já aqui o disse em data anterior mas repito: Em 46 anos de democracia fez-se mais pelo bem estar das populações do que nos restantes 881 anos de história.
Voltaremos à vida. À nossa vida. Voltaremos a encontrar-nos em muitos Muito cá de casa, na Casa Da Cultura | Setúbal, para falarmos de livros e do nosso futuro. Voltaremos a ter por lá os livros que a Snob, a abysmo e a Culsete nos colocam à disposição. Vamos voltar a estar juntos em livrarias, encontros literários, lançamentos, comemorações, performances várias, enfim, vamos estar aí, mas vamos mesmo ter que trabalhar mais ainda.
A ignorância e a estupidez não nos vencerão.
Fonte Público/ípsilon
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