sexta-feira, 17 de novembro de 2017

À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS | Isto passou-se numa qualquer noite, no final dos anos setenta do século que passou. Foi há um bocadinho. Já estávamos em democracia, portanto. Depois de um espectáculo musical, uma mulher que seguia por uma rua da cidade, foi incomodada por um homem que a assediava. O indivíduo segredou-lhe impropérios, esclareceu-a sobre a sua superior técnica de actuação sexual, e até a apalpou. A mulher, vendo que se aproximava de uma delegação da PSP, apelou ao senhor guarda — chamávamos assim aos agora agentes — que estava de vigia à porta da esquadra, em registo sonoro de pedido de socorro, que a socorresse. O agente, incrédulo com o tal registo sonoro, nada fez para valer à mulher. Indignada, a mulher entrou na esquadra com o intuito de corrigir uma situação que lhe pareceu atitude do passado, praticada com frequência no tempo do regime de que nos tínhamos livrado. Tempo houve em que as mulheres eram obrigadas a pedir aos maridos autorização oficial para sair do país, por exemplo. Nesse tempo, a violência era ornamentada por brilhantes esclarecimentos: "as que caem no chão é que se perdem", ou " estava mesmo a pedi-las", ou, a tirada ainda mais insolente e incompreensível "entre marido e mulher não metas a colher." Mas voltemos ao caso da minha amiga. Sim a mulher era minha amiga, daí eu conhecer tão bem a história. Indignadíssima e à beira de um ataque de nervos, descreve o que lhe sucedeu ao senhor agente de serviço no interior do estabelecimento de polícia. O homem resolve ser didáctico e esclarecedor: mas a senhora acha normal andar a esta hora sozinha na rua? Perante esta atitude para ela inesperada, a mulher atinge momentos de delírio. De "histeria", acrescentam os agentes de serviço em coro, já em modo clínico. A situação inverte-se, sendo a mulher ameaçada por desrespeitar a autoridade. 
Se tiveram a pachorra de acompanhar esta história até aqui, já devem ter percebido o que aconteceu a seguir. Provas da agressão? Há testemunhas? O agente que estava à porta não conta, e a senhora ainda por cima desautorizou-o. Assim como desrespeitou as autoridades. Perdeu a compostura. Vá para casa e tenha mais cuidado com as saídas nocturnas. 
Resumindo: ficou tudo em águas de bacalhau, com se dizia muito na altura.

Ocorreu-me esta história verídica ao ler esta boa notícia. As decisões institucionais são de louvar. É sempre bom vermos as autoridades ao serviço dos cidadãos e das cidadãs.
Só espero que os agentes que atenderam a minha amiga já não estejam ao serviço.

Fonte DN
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