sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

À SUPERFÍCIE DAS COISAS O PÓ | As pinturas de João Jacinto mostram o pó do mundo. Há ali uma vontade de alinhar um adejar que deambula pela superfície das coisas. Uma necessidade de compor o tempo. Ou talvez não. O artista procura esse pó. Dá-lhe os tons da vida despejando para as superfícies tinta e mais tinta. É esse o óleo da sua arte. Fernando Luís Sampaio, no poema que "ilustra" a exposição, fala em "névoa dos namorados". Namorar é bom. Vamos então namorar estas peças que João Jacinto expõe agora em Setúbal. Abre hoje, sexta-feira. Apareçam. 

O parque desce sob o meu olhar
instável desce para o lago
onde florescem latas de cerveja, folhas
e a névoa dos namorados.
À superficie das coisas o pó
aquietado da vida, a poalha dos impropérios
o fumo do monte branco
a coroar, à hora da bica, a ave da juventude
que assobia canções combatentes.
Muita coisa começou assim, um punhal
a esmagar os sonhos, uma pedra a torcer
o primeiro amor contra o mundo.
Mais tarde, é sempre mais tarde, a morte 
de amigos cuspiu de mim toda a cidade, 
as ruelas que iam para o fontelo 
escureceram também para sempre.
O silêncio, como o inferno, começa sempre 
com os outros.
Fernando Luís Sampaio
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