Os cortes nos vencimentos de quem trabalha são crime. Os cortes nas pensões, de quem confiou ao Estado parte dos seus rendimentos na vida activa, para poder estar descansado quando a vida já vai longa, são crime. São crimes civilizacionais. Estas "regalias" deram muito trabalho. Para justificar a delinquência, o governo faz passar a ideia de que os criminosos são os funcionários. É uma táctica antiga de quem governa: pôr quem trabalha contra quem trabalha. Mas os carrascos da governação têm ao seu serviço os opinadores defensores do respeitinho antigo. O abominável João César das Neves já faz, sem pingo de vergonha, o elogio da vida dos portugueses no tempo de Salazar. A desfaçatez deste ser execrável leva-o a apontar a compra de frigoríficos e outros utensílios de apoio doméstico, como excessos de consumo que nos colocaram no estado em que nos encontramos. Para este cristão ainda devíamos cozinhar em fogões a petróleo. Ou mesmo a lenha, porque não?! E devíamos circular em carrocinhas puxadas por animais. Provavelmente é o meio de transporte que o asqueroso justiceiro financeiro utiliza.
Estamos cercados por esta gente: governantes, opinadores e uma certa populaça sem trambelho que acredita não haver outro caminho. O neoliberalismo vai partir o Estado Social e fazer regressar a sociedade ao tempo em que as pessoas pediam desculpa por ter fome. Os funcionários públicos são atirados para as ruas da amargura por quem os devia defender. Basta ouvirmos a inenarrável criatura que nos calhou por azar em primeiro-ministro. Mas esta guerra é contra todos. A procissão ainda vai no adro. Os pios defensores do caminho único transportam o pálio de todas as certezas. O desfile vai ser longo. A dignidade das pessoas não conta. As leis não são para cumprir. Há que corrigir, cortar, anular, para que os donos do mundo se sintam em casa. O mundo é a casa deles. Nós ficamos à porta.
Imagem: João Abel Manta. Caricaturas Portuguesas dos anos de Salazar.