PROFISSÃO: PROFESSORA | Estamos sempre a aprender, diz-se. É verdade. Mas existem profissionais que gerem a nossa curiosidade com competência e dedicação. O professor Agostinho da Silva citava uma amiga analfabeta: "a escola devia estar sempre aberta, para eu ir lá perguntar o que não sei". Há professores que são como uma escola aberta. Guardo na memória um raminho deles. Isabel Monteiro ocupa lugar especial na minha memória. Foi com grande prazer que frequentei as suas aulas. Era professora de inglês. Praticava um ensino que nos colocava no centro do mundo. Saíamos da lusa tacanhez de então. Também colaborou em edições pedagógicas. Uma professora com letra grande. Em Abril de 1974 convivíamos no Liceu de Setúbal. Lembro-me de uma reunião de alunos, no ginásio. Haviam dúvidas sobre o comportamento do reitor no tempo da repressão: suspeitas de ser informador da PIDE. Isabel sobe ao estrado e opina: não podemos ser injustos. Acima de tudo é preciso apurar a verdade. O reitor deve ficar se for provado que não pertenceu à polícia política. Mas se for provado o contrário, se se provar que pertenceu, é bom que saia e depressa. Vibrante aplauso na sala. Isabel era assim. Esclarecida e destemida. Justa e culta. Muito recentemente encontrava-a num café perto da estação ferroviária. Antes de eu embarcar para Lisboa falávamos do estado a que isto chegou. Lembro-me de um dia em que estava muito chocada por Salazar ter ganho um concurso televisivo. O mais importante português, o português do século XX, ou coisa do género. Confortei-a com um "isso foi um concurso imbecil da treta. Não tem qualquer importância". Concordou. Mais tarde combinámos uma visita ao meu ateliê, em Lisboa. Dei-lhe um cartão para fixar contactos.
Vim a saber pouco depois que estava doente. Era coisa má, mas sempre pensei que sem motivos para grandes preocupações. Um dia destes, em conversa com um dos filhos, o João, perguntei-lhe pela saúde da mãe. Foi a surpresa e o choque. Como é que eu não soube de nada? Como é que uma pessoa tão importante para tanta gente parte assim? É injusto. Queria tanto que ela fosse ao meu ateliê. Não tive oportunidade de me despedir. Faço-o agora. Gosto muito de si, senhora professora. Muito obrigado por tudo. Muito obrigado mesmo.
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Vim a saber pouco depois que estava doente. Era coisa má, mas sempre pensei que sem motivos para grandes preocupações. Um dia destes, em conversa com um dos filhos, o João, perguntei-lhe pela saúde da mãe. Foi a surpresa e o choque. Como é que eu não soube de nada? Como é que uma pessoa tão importante para tanta gente parte assim? É injusto. Queria tanto que ela fosse ao meu ateliê. Não tive oportunidade de me despedir. Faço-o agora. Gosto muito de si, senhora professora. Muito obrigado por tudo. Muito obrigado mesmo.