MANUEL BOLA - ROTEIRO SENTIMENTAL | Setúbal homenageou Carlos Rodrigues no dia Mundial doTeatro. A sala polivalente do Fórum Municipal Luísa Todi foi pequena para receber toda a gente que quis abraçar o actor. Carlos Curto, director do TAS, deu as boas vindas. Maria das Dores Meira, representando a autarquia de que é presidente, falou do bem que nos faz termos gente assim na terra onde vivemos. E depois foi o desfilar de gente que tem no Bola um amigo e colega de referência: Fernando Guerreiro, amigo de sempre, agradeceu o empurrão para o seu início de carreira de actor. Maria Clementina, em emotivo depoimento, abordou o princípio de uma grande amizade. Duarte Victor, Célia David, José Nobre, Sónia Martins, Miguel Assis, Cristina Cavalinhos e Piedade Fernandes agradeceram a proximidade da palavra amiga e do incentivo. Cabia-me a mim falar do autor de poemas. Acontece que conheço o Manel Bola desde que me lembro da minha própria existência. No improviso que proferi foram esquecidos alguns pormenores que considero interessante relembrar agora.
Na minha infância o Manuel Bola era o Carlos. Ele já adolescente e eu fedelho de cinco anos, cruzávamos caminhos e largávamos "olás" de circunstância. Depois passámos a ter conversas de crescidos a partir do tempo em que eu também cresci. Quando fui chamado pelo João Manuel Duarte Victor para experimentar fazer a imagem - cenografia, figurinos, design de comunicação - da peça Juiz da Beira, de Gil Vicente, conheci melhor o actor, que me recebeu com palavras de apreço pelo meu trabalho. Acompanhei com entusiasmo o trabalho de costura dos meus desenhos feitos por uma grande senhora - a mestra Amélia Varejão. Depois trabalhei com outros encenadores: Fernando Gomes e mais tarde Carlos Curto também me convocaram para peças suas. Conheci por lá outros amigos que muito estimo: Pompeu José, Rui Paulo (Buda), Nuno Melo, Isabel Ganilho, Asdrúbal Teles, António Piçarra, Manuela Couto, Mimi, Fernando Luís, Cristina Cavalinhos, Célia David, José Nobre, Filomena Gonçalves, Miguel Assis, João Gaspar, Ana Brinca, Susana Brito, José Santos, Rui Mesquita, maestro Azóia, António Rosa, João Carlos.
A faceta de poeta surge muito mais tarde. Surpresa inicial, logo seguida pelo reconhecimento da grande qualidade da escrita. No livro que editei na Estuário, o actor Carlos Rodrigues passa a assumir o nome de Manuel Bola. A alcunha passa a pseudónimo. O actor mistura-se com o autor e lança um título pouco previsível: "Sem Amor". Lembro-me a propósito do poema de Fernando Pessoa:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Com o actor passa-se o mesmo. O actor é um insistente observador. Suga atitudes e trejeitos para depois os aplicar à personagem que compõe. "Sem Amor" é metáfora da aplicação dos sentimentos ao papel. Não é o amor que se pratica na poesia escrita. É a sua representação. Tudo ligado, como diria outro poeta.
Última nota: não é possível falar do actor Carlos Rodrigues sem se recordar Carlos César. Grande homem de teatro. A carreira artística de um está indissociável da vontade do outro. César foi também grande entusiasta do actual modelo do Fórum Luísa Todi, local onde simbolicamente decorreu o tributo. Foi ele que muito fez para que a Câmara Municipal passasse a ditar as regras naquele lugar.
Manuel Bola continuou a escrever. Muito em breve será reeditado o excelente livro que nos forneceu em 2005. Edição que contará com alguns poemas originais.
E pronto. Continuaremos a contar com Carlos Rodrigues, o poeta Manuel Bola. E continuaremos a gostar dele. Muito.