Helder Moura Pereira vasculha com paciência de monge o que poeticamente se vai por aí produzindo. Com assinalável frequência fornece-nos resultados dessa insistência. Já não dispenso a visitinha diária ao blogue que anima. Só para que não pensem que o que digo não passa de delírio, atrevo-me a mostrar aqui a última planta que o Helder dispôs no seu canteiro.
JTD
É o ódio, só pode ser o ódio –
disseram-me que não mereço
as dores de parto de minha mãe.
Tivesse eu um deus e resolvia
isto de uma penada, assim agarro
num livro da minha biblioteca
básica e vou para o parque.
Está fresco no parque. Há de tudo
no parque, preservativos,
cisnes e patos mansos, namorados,
pessoas como eu que lêem
livros, ou passeiam o cão,
ou pensam que a vida é bela
tanto como a vida é feia.
Ah, que orgulho, mereço o ódio,
é muito melhor do que não merecer
nada, e é por isso, contente
por alguém me odiar com a força
do amor, que começo a folhear
o livro com um sorriso na boca.
Os dedos cortados pela folha
fina, página com imp. no canto
superior direito, e o teu poema
mais abaixo, um poema emotivo
que nunca chegou a viver. Olhando
o céu: o dia escurece, finges que deixas
o livro esquecido no parque
e avanças para o corpo do ódio
Anne Francis-Claude (n. Bristol, 1969)