quarta-feira, 23 de março de 2005

Manoel de Barros



Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
*
Tem mais presença em mim o que me falta.
*
O meu amanhecer vai ser de noite.
*
Sábio é o que advinha.
*
Peixe não tem honras nem horizontes.
*
Eu queria ser lido pelas pedras.

(Livro sobre nada, Rio de Janeiro: Record, 1997, 4a edição)

Esta é uma pequena amostra da obra deste original e instigante poeta brasileiro que merece ser visitada e revisitada muitas vezes. Nascido no estado do Mato Grosso, em 1916, Manoel de Barros tinha apenas um ano de idade quando a família mudou-se para uma fazenda no Pantanal. Talvez por isso sua poesia esteja tão impregnada de referências à natureza e aos ciclos naturais da vida, as tais coisas "desimportantes" que viriam a marcar profundamente sua obra.

Seu primeiro livro, publicado no Rio de Janeiro há mais de sessenta anos, foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de apenas 20 exemplares e mais um, que ficou com ele. Foi somente a partir dos anos 80 que começou a ser mostrado ao público, por meio da publicação de poesias suas em colunas de revistas e jornais por gente como Millor Fernandes, Fausto Wolff e Antônio Houaiss.

Hoje é reconhecido nacional e internacionalmente como um dos poetas mais importantes do Brasil. Sobre ele, Antonio Houaiss declarou "Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo?.

Em entrevista concedida em agosto de 1996, ao ser perguntado sobre qual sua rotina de poeta, respondeu: "Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler "Vozes da Origem". Gosto de coisas que começam assim: "Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem". Está no livro "Vozes da Origem", da antropóloga Betty Midlin. Essas leituras me ajudam a explorar os mistérios irracionais. Não uso computador para escrever. Sou metido. Sempre acho que na ponta de meu lápis tem um nascimento."
releituras
ALF