segunda-feira, 28 de junho de 2004

Um arquitecto de causas



Foi brilhante a entrevista que deu a Ana Sousa Dias no "Por outro lado". É uma figura impar no panorama das artes em Portugal. Neste momento, expõe a sua obra, em retrospectiva, no Centro Cultural de Belém. Paula Sá escreveu este texto sobre ele. Foi publicado no DN. E agora vai sair aqui.

"Nunca sentiu vocação de professor, diz. Até confessa que a ideia de enfrentar uma turma o assustava. Chegou a ser convidado para ministrar várias cadeiras, mas declinou sempre esses convites. Ou melhor, aceitou um, o que lhe foi feito pelo arquitecto Frederico George para a Escola de Belas Artes de Lisboa, onde também tirou o seu curso. «Senti um enorme alívio quando o meu nome foi cortado pela PIDE...» - relembra ironicamente Nuno Teotónio Pereira. Mas hoje, mesmo sem cadeiras ministradas, recebe o doutoramento honoris causa pela Universidade do Porto. E tenta encontrar uma explicação para o grau concedido: «Há quem diga que ao longo da vida fui contribuindo para a formação dos colegas que trabalharam comigo». Entre os quais se contam arquitectos como Gonçalo Birne, João Paciência, Pedro Vieira de Almeida e Nuno Portas.

E num rasgo de humildade pouco comum a arquitectos, sobretudo com uma carreira longa e reconhecida, assume que não é de «rasgos». Deu oportunidade aos jovens, mas recebeu deles contributos para a sua própria arquitectura.

O que não impediu de ter recebido os Prémios Valmor de 1968, 71 e 75, e outros tantos de várias espécies. Poucos sabem que o prémio de 71, atribuído ao polémico edifício de escritórios na Rua Braancamp, conhecido como o «Franjinhas», só o recebeu após o 25 de Abril, data em que também é libertado, juntamente com outros presos políticos do Tarrafal.

É que Nuno Teotónio Pereira cedo se envolveu nas lutas políticas e cívicas contra o regime salazarista, sobretudo na denúncia das injustiças da guerra colonial. Faz parte da vigília do Rato e participa no Movimento da Esquerda Socialista (MES) com Jorge Sampaio. «Depois, tornei-me o chamado "independente de Esquerda"», afirma. Só até 2002. Altura em que sentiu de novo o apelo da intervenção política. «Voltei a filiar-me no PS», diz e volta a justificar: «A política de direita é má para os portugueses». Não consegue compreender o que classifica de «fúria» das privatizações. Tanto mais que foi funcionário público durante 20 anos, ao serviço da Caixa de Previdência e a projectar habitação social. Semeou-a, aliás, por todo o País, mas tem particular carinho pelo Bairro de São Miguel, em Alvalade, onde reside desde os anos 60.

Lisboa, onde nasceu, continua a apaixoná-lo. E, quando se fala da cidade, faz um parêntesis: «Tem sido feita uma obra extraordinária nos últimos 20 anos, a eliminação dos bairros da lata e do Casal Ventoso. Uma obra a que ainda não se deu a devida importância», afirma num acto de justiça a Jorge Sampaio e João Soares, ex-ocupantes da Câmara de Lisboa. Concorda com Santana Lopes no que toca ao desafio de repovoar a capital.

Neste momento, ocupa-se de gizar no papel os traços do Programa Polis para a Covilhã. A cidade acidentada no relevo, que muitos dizem impossível de percorrer a pé, onde quer transformar o sistema de mobilidade. "
Paula Sá