Porque ontem foi Dia Mundial do Teatro, fui ver a peça que o Teatro Animação de Setúbal tem em cena.
O trabalho é assinado por Carlos Curto e Rui Zink, e é uma interessante interpretação dos problemas levantados pela chamada Era da Informação. A Era do Faz-de-conta elevada a expressão de plena existência.
O tempo em que há quem pretenda que quem não aparece na televisão não existe. A sátira aos comportamentos pouco humanos dos passatempos televisivos. A violência sobre os cidadãos desprotegidos. A crítica às expressões artísticas pouco integradas no seu tempo. Tudo isto abordado com uma inteligência e com um sentido do humor que ultrapassa, não poucas vezes, o real.
Mas atenção, não é a anulação do real pelo imaginário. O que aqui se representa, não se insere numa classificação divertida das recentes formas de teatralidade ligeira. As referências são literárias. Lá encontramos, escondidos nas muito boas interpretações dos actores, Júlio Dantas e George Orwell. Só para dar dois exemplos que me pareceram óbvios. Dantas surge como motivo que inspira a sátira ao teatro declamado e puritano. Orwel, porque quando escreveu 1984, vislumbrou a sociedade actual. A sociedade controlada pelo poder, no caso real o poder económico. E o que são as estações de televisão e os jornais de “referência”, senão eficazes instrumentos dos detentores do poder económico? O "Big Brother" está aí e a gente às vezes não dá por isso.
Sobre o titulo da peça, e porque já foi alvo de ataques e interpretações menos correctas, tenho a dizer o seguinte: Um titulo não é, bastas vezes, uma ilustração literal do que se vai passar. É sim uma sugestão para a leitura, sempre com a intenção promocional, é certo, mas em muitos casos metafórica.
Dou apenas três exemplos, que me surgem ao acaso. Quando a escritora Fernanda Botelho lança o titulo: “Esta Noite Sonhei com Brueghel”, não está a fazer um tratado sobre a vida e obra do pintor. Quando José Saramago escreve “Manual de Pintura e Caligrafia” não está a pensar ensinar ninguém a pintar ou a fazer letrinhas bem alinhadas. E Já agora, quando António Mega Ferreira fala de “A Borboleta de Nabokov”, não está a falar do fascínio do criador de “Lolita” por esta espécie. Na peça do TAS, "Onde fica Auschwitz?" é a expressão do pretexto para os cortes que nos fazem pensar. O actor Carlos Rodrigues, assume um ar de pinguim taralhoco que apenas faz essa pergunta, sempre que a violência se está a tornar preocupante. Tão pouco e tanto.
E pronto. É o que me é possível dizer, pelo menos para já, sobre esta obra de humor um pouco escuro, mas com enorme claridade na exposição argumentativa. JTD