A celeuma que a entrevista de Luiz Pacheco ao DN provocou na blogosfera, não me entusiasma. De facto, não estou de acordo com ele na comparação Saramagoagustiniana, mas Pacheco é Pacheco e não há nada a fazer. Como tal prefiro reparar no melhor que ele fez. E estou de acordo com ele em relação a "O Teodolito". É capaz de ser o trabalho com mais força que passou ao papel. O texto que se segue é retirado de lá e é do melhorzinho que por aí anda. Terei razão? vamos comprovar:
Com a minha infância, se me permitem um depoimento formal, passa-se qualquer coisa de curioso, de ambíguo. Entro e saio dela quase sem dar por isso, às vezes mesmo não reparo ou não sei se estou para trás ou fiquei aqui e agora. De dia sou menino, à noite velho caquético e o contrário também pode acontecer. Às vezes demoro-me mais tempo num dos extremos - são o que eu chamo as minhas crises. Outras, ainda, acumulo os tempos, crio-me uma infância lógica e paralela, ganha-me uma talvez pureza e fico-me a vê-la, ora maravilhado, ora irritado, ora assustado, com o olhar cheio de ronha do macróbio que já viu muito filho de muita mãe e de si próprio duvida mais do que todos e do que de todos. A verdade é que ainda não me decidi por uma idade certa, continuada. Ou um tempo. Não se faz ideia o que isto desconcerta os que lidam comigo, mostram-se incapazes, e tanto melhor para eles quem sabe? de me acompanharem pelas súbitas digressões, neste jogo inevitável e por vezes, inconsciente, incontrolável de ida e volta. Para as mulheres, então é um desespero. Elas são logo adultas muito cedo (e só recuperam a infância esquecida, o sorriso inocente translúcido de crianças, por instantes, nos breves instantes depois do osgasmo), é a Natureza quem lho exige. Ao pé de mim, envelhecem com uma rapidez devastadora. Ora resta dizer que esta minha duplicidade, que eu não sei se sei disfarçar, só se observa pelo lado de dentro, creio eu, só eu a vejo e meço em toda a sua grandeza (isto é: natureza). Pelo lado do espelho, que são os outros e a minha carcaça, vou envelhecendo a olhos vistos, vou esfriando, ganhando distância. Também as viagens de volta à infância me são cada dia mais dolorosas e arrojadas; regra geral, desde uns tempos a esta parte costumo viajar só de noite, durante o dia sou avô de mim mesmo. Deixei crescer as barbas. E não me rio nunca. Senão bêbado.
Então, valeu a pena? Espero bem que sim. Amanhã vou visitar o Luiz Pacheco. Já decidi. Depois digo qualquer coisa. JTD