segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

Luiz Pacheco I

Em Lisboa, no quarto do lar onde mora, movimentos limitados, vista embaciada, ouve música e notícias, com a solidão alimentada por memórias e com notável lucidez. A sua impulsividade deu lugar à serenidade. Sem complacência nem autocomplacência nem perda do gosto de provocar. Nascido em Lisboa (1925), fez o liceu no Camões e foi para a Faculdade de Letras, que deixou por falta de meios. Em 1945, começou a escrever, a editar-se e a outros: revelou em português Apollinaire, Büchner, Ionesco, Kleist e Sade, nomeadamente. Vendeu livros e panfletos, colaborou em jornais. Autor de culto, com O Libertino..., O Teodolito, Comunidade. O marginal da nossa república das letras teve sempre vida instável.
Assim apresenta Elisabete França o escritor Luiz Pacheco, na entrevista que este lhe concedeu para o DN e que motiva esta abordagem.
Em 1990, editei "O Teodolito", na Estuário Publicações. Para essa edição António Mega Ferreira escreveu na apresentação:

O Teodolito, pois, Um instrumento astronómico e geodésico que serve para medir directamente as distâncias e as alturas zenitais, segundo rezam os bons dicionários. É um instrumento de aproximação, rápido, preciso, eficaz, um instrumento de compreenção, porque as distâncias são "as realidades", ou a propriedade através da qual "estas se definem e singularizam. e mais à frente: Medo da morte? Mas quem o não tem? por isso mesmo se escreve; contra a vida irredimível, contra a morte inevitável. Contra."não falemos da nossa infância. Não falemos... não falemos mesmo de nada. O meu teodolito chega."

Escolhi para fechar esta artigalhada, este pedaço de texto de O Teodolito:

Mas uma infância só tem um sentido, só presta, se conseguimos sair dela, se teve resultado, isto é, se deu (e nós com ela, nós pós ela) para algum lado. Ora isto não é assim como se julga. Há os que avançam um bocadinho, mas depois param na adolescência - e são rapazolas toda a vida e chegam a velhos, quando chegam, e só fizeram foi rapaziadas. Outros ficam sempre sendo garotos mimalhos. Nada disto é coisa de louvar - no plano sociológico (no de cada um, tanto faz). Tudo se quer a seu tempo. O pior, o difícil, é haver só (e uma vez só) um tempo para cada coisa ou estado ou atitude. Um tempo certo para cada jogada, como no xadrez. Uma táctica subordinada a uma estratégia coerente, premeditadas ambas. Uma práxis ou etiqueta. Digamos: uma teoria e a prática teimosa logo e sempre dessa teoria. Um tempo, o lugar e a fórmula: um lar e pais e beijos e brinquedos para a infância; uma luz e amigos e namoradinhas para a adolescência; uma força e um gesto e o Amor para a idade adulta; um exemplo e uma dignidade e um silêncio para a velhice. Um tempo de liberdade para cada coisa e cada um. Ou: um tempo de coragem e desespero para lutar para conquistar essa liberdade necessária e essa cada coisa, a cada um. Talvez uma Pátria. Um amigo, ou dois, não seria demais. Inimigos, os que a nossa intransigência criasse. E filhos, muitos filhos - nossos juízes, nossa aposta no futuro.

JTD