sábado, 6 de dezembro de 2003

Poesia de Fernando Assis Pacheco

Desengaçar a alegria
do chato amável mundo

Respiração Assistida é o título escolhido por Abel Barros Baptista, organizador da obra, para o baptismo do mais recente livro de poemas de Fernando Assis Pacheco. E justifica-se: "Não cabendo senão um título do próprio Assis Pacheco, valeu o recurso ao procedimento óbvio: escolher entre os títulos dos poemas. Respiração Assistida impôs-se cedo, por motivos que o leitor atento não terá dificuldade em compreender. Demais, sendo o poema epónimo um dos dois datados de 27 de Novembro de 1995, quem sabe se não terá sido esse o último título inscrito por Fernando Assis Pacheco?"

No posfácio, excelente texto que Manuel Gusmão assina, pode ler-se: "A poética oficinal de Assis Pacheco joga-se e desdobra-se como discreta mas inapagável memória de tradições da poesia, como trabalho e jogo que se exercem sobre usos coloquiais da língua e sobre a matéria, verbalizada ou verbalizável, que é a experiência singular e partilhável do mundo e da vida, esse complexo de afectos ou afecções, de desejos, medos e fantasmas.

E agora o primeiro soneto do livro.

Por uma cona assim eu perco o tino
e tudo o mais desamo que não faça
como rata em soneto de aretino:
a um caralho dar frequente caça

porque essa cona tem da melhor raça
a traça que se diz "donaire fino"
se rosto fora ela e não conaça
onde o tesão divino toca o sino

com uma cona assim aquel' menino
Cupido troca as setas pela maça
martela meus colhões num desatino
que do Rossio ecoa até à Graça

ela é a melhor rata que dá caça
a este meu javardo de inquilino

Lisboa. 28-XII-81
Assirio & Alvim

JTD